quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Realismo suspense

Teatro estudantil
por maneco nascimento
 
O Grupo Sketch, de Parnaíba, ao norte litoral piauiense, já sugestivo pelo nome que emprega uma linguagem de corpo de atuação da forma e carpintaria dramática em práxis da cena.

E o corpus, em atuação, traz um ímpeto juvenil e liberado de medos e vícios da poeira dos tablados já visitados, por quem teve idade de teatro alcançado pelo tempo de atuação.

A proposta, de cena realista, um misto de suspense-terror às fórmulas atraentes de cinema e uma temática discursiva de onde, para onde empurramos nossas falhas, ou trancamos nossas anomalias, defeitos sociais e o diferente.

“Casa Lenon – Para Jovens Especiais” marcou temporada, em Teresina, nos dia 03 e 04 de novembro de 2016, às 19 horas, no Teatro do Boi (Matadouro). Dirigido pelo também jovem e ousado diretor, Rodrigo Serra Albuquerque, que também acumula a função de autor e ator da montagem.

Em um manicômio [jovens diagnosticados com "distúrbios comportamentais" são (mal) tratados por um casal tirano: Dr Norman e Srta Arabela Lenon. Mas quais os crimes desses jovens? Qual a sua loucura? Por que mantê-los em cárcere privado? Que doença tão cruel sucumbe estes jovens? Sua sexualidade? Seu modo de agir, de pensar, de viver, de amar? Há crime em viver aquilo que se sente?].

O imperioso de liberdade, escolhas e contraponto ao padrão de valores morais cada vez mais duvidosos, ganham a pena panfletária indireta, na licença dramática da carpintaria apresentada, por Rodrigo Albuquerque, em que as vicissitudes de abrir a rebelião, dos anjos do “mal” encarcerados, encontra discurso intrínseco da juventude que essa brisa canta, quando empunha a espada do teatro feito ato em front de conquistas do público

Ao metaforizarem a intolerância e a intransigência do [que grita nas “melhores famílias”, personificadas dramaturgicamente nas pessoas de Dr Norman e Arabela Lenon, mas que facilmente identificamos em nossa casa, na casa do nosso vizinho, na família do nosso colega de trabalho, nos nossos amigos.] o grupo, em ação, aciona sua experiência e queda livre ao precipício de mergulho no teatro que acredita e dá forma.

A cartografia dramática apontada pelo autor/diretor impulsiona cena realista de um hospital em que o médico e a médica (herdeira da Casa de controle de saúde mental) fazem as vezes de torturadores em busca da cura. 

Há momentos em que as cenas de disciplina passariam, indisfarçáveis, pelas memórias dos porões da ditadura brasileira, as exemplares “faxinas” de comedores de criancinhas guardados nas celas do Doi-Codi/Dops.

As composições das personagens, de um modo geral, flertam entre o realismo-naturalismo e, mesmo quando beiram à margem da ingenuidade positiva e cintilante, trazem um desenho dramático concentrado. A lição escolástica traz a tarefa de casa bem estudada. É de cor que deslancham mímesis das personagens propostas pela pena dramatúrgica.

O Dr. Norman, de Yago Medeiros, é empertigado e, salvo alguns momentos em que quase descansa ,no padrão meio televisão equilibrado, salva uma performance de médico que desliza pela cena e, quando encara o torturador, fica entre o leito e a margem do rio de sangue.

Josi Costa, em sua Isabela Lenon, tem entradas cinematográficas e amplia alguns momentos, da personagem, como a assistente e médica do enredo do monstro. Eleva sua performance numa elegância concentrada, seja pelo figurino comum mas assentado, seja pelos gestos sob controle de fingimento racionalizado ao efeito dramático.

A sociopata Annie, de Mel Almeida, gira entre a porta de entrada da menina perigosa e a mulher assassina à frincha de acesso ao obscuro da mente que cai. Por vezes a menina parece querer avançar + e não definiu bem se o brinquedo perigoso que tem às mãos pode ser arma de controle da situação, ou que controle sua condição de parricida.
 
Os três adolescentes “loucos”, vividos por Rodrigo Serra (Lúcio); João Vitor (Tomaz) e Blaylson Amorin (Marcel) concorrem a um nível variável a um sinergia de comportamentos e ações de proximidades de psicossomase da loucura que se lhes é imposta pelas regras e estímulos violentos do manicômio.

Trazem detalhes na forma de visibilizar as falas, por vezes os impulsos e abruptos do nervoso e espremido da coerção dos sentimentos dão-lhes uma linha de coletivo da teia e ilustração do louco, que encenam para persuadir os médicos e, no exercício do fingimento, convencem aos torturadores e nos dão, a nós platéia, um sinal de alerta para que lhes prestemos atenção.

A personagem do menino que investe e recolhe a coragem e o faz de uma forma abrupto-sutil gera uma quebra no drama e alivia o trágico com humor. Suas tiradas sempre abrem um sorriso da recepção e não são apelativas, são uma segurança de construção à personagem infanto juvenil que no recuo se protege e na ação dramático-cômica soa bem.

Há, por outro lado, nos dois colegas, em algum momento, uma corrida pela composição da histeria esquizofrênica que faz com que percam o doce sabor das palavras fluentes, mais compreensivas e eliminarem os ruídos na comunicação, que esclarece os sons e fúria da loucura proposta.
Um dado considerado muito limpo são as quedas técnicas das personagens. Todos caem muito bem nas cenas de violência que as levam ao chão.

Os figurinos compõem proposição realista, mas limpos. A sonoplastia, de Douglas Almeida, também oferece clima peculiar ao desenho de dramaturgia. A cenografia, do Sketch, supre a linha factual do enredo dramático.

O +, a peça corre quente e numa dinâmica afobada, feito corredeira que vezes é lépida, por liberdade de obstáculos, noutras embarra nas barreiras que abrem sinuosos de melhor, ou menor percurso de movimento condutivo o efeito dramático.

E tem o serial killer que mata na surpresa, a morta no armário, o vilão vingador entre os detentos, o monstro torturado pelos anjos rebeldes e o discurso de revolução dos bichos que tomam a cidade e mudam as regras do jogo.


“Casa Lenon – Para Jovens Especiais”, do Sketch, de Parnaíba, cumpre teatro e segue carreira de construir a própria cena e está seguindo o mapa da estrada de tijolos amarelos. Ritualiza drama e força a ordem à desordem e desconstrução conspiradoras do teatro.

fotos/imagem: (Grupo Sketch)

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