sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Útero, mora?

Útero de Mora.
por maneco nascimento

Datan Izaká criador, bailarino e coreógrafo da Cia. que dança por aqui e que investe, também, na nova dança, apresentou na noite do dia 29 de setembro, numa Sala-estúdio da Escola Estadual de Dança "Lenir Argento", resultado de Projeto que vem desenvolvendo e que, repercute ato criador e arte determinante da reinvenção da própria linguagem, de  bem dançar, as falas do corpo. 

O espetáculo "E|N|T|R|E", criação e concepção de Datan Izaká, com os Performers/Dancers, Daline Ribeiro, Ireno Gomes e Hellen Mesquita se instala como arte presente, inteligente e perspicaz atraente como arte criativa

A dramaturgia justificada pelo criador, "E|N|T|R|E é um ambiente sensorial, táctil, um lugar de atravessamentos/desejos/inquietações. As linhas surgem como objeto-conceito, como corpo vivo disforme, como paisagem borrada, como condição da vida, uma vida de enganchamentos. São tufos de linhas emaranhadas de nós e nós."

O espetáculo se apresenta em temporada de dois dias, 29 e 30 de setembro, dentro da Semana de comemorações do aniversário de 31 anos da Escola de Dança "Lenir Argento". Em um pouco + de 40 minutos de dramaturgia em dança, o espetáculo corre à livre interação com a recepção contida no sítio de ação dramática.

Em palco arena retangular, cadeiras montáveis de papelão recebem o público  que emoldura as personagens envoltas no aconchego do útero de fibras de algodão. A música reiterante assonal, dissonante presente, com passagens atonais de assimétricos sonoras, ganha evolução e marca tempo e espaço da trama na trama que guarda os filhos, em luta trinivitelinas, dentro do calor uterino do novelo que esconde/revela o percurso dos que evoluem a paridos.

A luz, Pablo Erickson,  também implica nos revela/esconde aos lapsos flagrantes de fotografia, a quase sinapses ininterruptas, quando os claros escuros encontram sincronia com a trilha atraente e decisiva ao mapeamento do calor, metamorfose, corpo unicelular à meiose de corpos que se fundem, separam, reunificam e misturam e combinam sentimento dramático de ser um, ser três em um que se completam.

Do neutro à expansão das fugas, das idas e vindas, do rola e re-rola, dos vais e vens, do entre interrelacional com o público em seu derredor, os performers/dancers Daline Ribeiro, Ireno Gomes e Hellen Mesquita vão destrinchando uma eterna luta de sobrevivência e, segundo a doutora em literatura brasileira pela Uespi/Puc-MG, Assunção de Maria, "um sentimento de deixar e retomar de relações de amor", em que se nega e reafirma (grifo meu).

As recepções livres se nos permitem viajar por mitos e realidades. Como o mito do tempo, da mora, em que se vai tecendo o tempo de vidas e dramas e histórias e memórias humanas em eterno recomeço. Ou a realidade, de vidas e sentimentos, em que inflexiona relações de amores, atrações, disputas, o dentro no fora, o fora no dentro, o um no outro e o outro em uns de atração/retração, mimetismos, entrecruzamentos de calores, humores, o corpo no corpus do corpo, em um e às divisões celulares e repetição nuclear da gravitação da vida humana.

A dialética da vida tecida, gestada, ampliada em conflitos de natureza humanas e indispensáveis. O coser e, na tessitura, reagrupar as tramas do tapete em que se é linha, agulha, manufatura, tecelã, produto constructo, liberdades e arbítrio de presos às escolhas de sentimentos intrínsecos ao tecido humano e fibroso, que constitui sopro vital na ebulição, evolução de genes, de gentes gestacionadas no bolo de linho, de linhas da vida na tessitura de cordões, fibras e fibras dos corações que pulsam alinhavos de existir.

O público de fora e de dentro, paredes protetoras do útero da mora, integra e é, à medida que a dramaturgia avança, peça que a aranha do tempo tece. Que as aranhas eclodidas do ovo da aranha-mãe devoram, ou decifram, ou integram a recepção como parte do tecido humano costurado na almofada de bilros da Mora, trama expiada.

Espetáculo denso, intenso, mas que reverbera suavidade de encontros e lúdico estético-criativo de prender público e intérpretes na mesma teia dramática, que se nos convida a entrar e ficar, indisponivelmente à saída, mesmo que saia. 

Já que "E|N|T|R|E" convida, o convite aceito abre o ato ao tear que enlinha, em linhas e fios, a identidade humana de ser e estar contida na trama que gera a estampa, de  retalhos, pontos e fios trançados à vida, do núcleo às extremidades de amarras que intercomunicam o dentro e fora do tecido da existência.

A sinergia de luz, som, fios e corpos unificados no útero da Mora faz de "E|N|T|R|E" um impacto estético e plástico de ato criativo  e afinado de nova dança. 

Feito peça de Michelangelo, a estátua de Davi que muito fala no silêncio, o espetáculo em sonoridades e fúria estéticas a tudo dá vozes pelo corpus falante.

fotos/imagem: (acervo Victor Rodrigues)

Nenhum comentário:

Postar um comentário