sexta-feira, 27 de maio de 2016

Onde há Centelhas

há fogo fátuo
por maneco nascimento

A Cia. de Dança José Nascimento abriu nova janela, ao leque de bem dançar em Teresina. Estreou, dia 24 de maio, terça feira, dentro do Projeto Terças da Casa - Terça Dança, o espetáculo "Centelhas", criação, coreografias e cartografia dramatúrgica de J. Nascimento, até que provem o contrário.


A estreia aconteceu no palco do Theatro 4 de Setembro, às 20 horas, para público vertiginoso, atento e voltado ao movimento que dança na cidade e que marca identidade de reinventar falas e aplicar a linguística de corpos falantes e vozes que reverberam sentir, pensar, mover-se, dançar.

Líquido, porque deslizável pelos dedos e mãos receptivas dos olhos que a tudo observaram. Em belo cumprimento, saudou a toda a recepção com beleza suave e técnica iniciática de desvendar estética e criar interação com a assistência.

Sólido, porque tudo que é material se dissolve no ar das intangibilidades e tangencia aplicação da física, em quântico processo de desmembrar o átomo da dança, nas licenças de linguagens amparadas às vozes e falas do corpo expressivo e de impulsos de sensibilidade e ciência, em dança arbitrada.

"Centelhas" prende, sustenta a curiosidade e marca registro nas memórias, quer sejam de curtas, médias, ou longas distâncias, de registro nas gavetas do memorial afetivo de cada um(a). Amor, paixões, encontros, desilusões, trágicos destinos, redenção de almas irmãs, romance, ou atualizações de reviver o próprio sentimento, estão contidos na matemática de dois + dois que arredondem ao cinco. Gera interesse.

Os figurinos mergulham na pesquisa do hoje, com traços de primeiras entradas das liberdades sessentonas. Para meninas, vestidos em cores neutralizadas pela camuflagem de motivos florais, terrais e, ou tipificações de estações que se mimetizem à primeira pele e, em contínuo de descontínua presença, ampliem economia de quase neutralizar a segunda pele e manter a identidade do corpo que dança.

(cia. de dança josé nascimento/por josé nascimento)

Busto alto e leve, cintura marcada de pilão nordestino e meio pern
as reveladas, imergem entre tradição liberada e liberdade de empoderamento da raiz de aproximação com o "velho", rebuscado ao novo da fulô do sertão, à margem de outros perfumes agrestes.

A vestuária masculina, uma entrada na efígie do medievo ibérico plantado no nosso quintal, sem perder-se dos elementos primordiais das origens da construção social da gleba dos presentes, em nossa memória comportamental de vestir o que cai bem, à cada estação de convenções e quebra de paradigmas.

O busto masculino, coberto em colete elegante, com desenhos que mantêm os mancebos como rapsodos contemporâneos e plinsam história que vestiu o homem, em seu tempo, para seda, algodão ou couro (aqui dispensável). A calça justa, colada à primeira pele, referência aos guapos românticos e trágicos para narrativas shakespereanas, ou histórias orais contadas e realinhadas ao nosso tempo.

Vestem bem, representam liberdade em estar presentes, sem ser papel de embrulho, nem peça interferente nas escritas do corpo expressadas. Adriano Abreu não perde o traço, nem joga com pedras frias. Assume arte, estética e visagismo limpo, ao vestir os intérpretes bailarinos.

A luz, de José Nascimento, operada por Renato Caldas, defende bem a fogueira de calores, suavizada pelo matiz das cores que operam desenho tranquilo, sóbrio, economia em trânsito com a caliente caligrafia dos sentimentos apresentados em enredo, aparentemente comum, mas recheado de doces e elementais presenças das naturezas humanas, codificadas nas coreografias livres e, decodificadas, na luz metamorfoseada de dramaturgia devota de centelhas estaladas da fogueira serena.

(luz em completo com o corpo falante/foto: cleia galeno)

As escritas dos corpos, aplicadas na partitura das coreografias, para as falas de propósitos, têm marcas de escolásticos clássicos, mas sem arrastar consigo nenhum azinhavre das velhas moedas. Ao contrário, há uma nova dança, que não nega origens, reinventa-se e marca tradição e ruptura com acuidade e sensibilidade de buscar o novo, sem ser esnobe, nem querer desvendar Champolion. As coreografias enlevam quem bem chega, desarmado, para ver dança experimentada.

(sincronias em diacronias do espírito reveladas/foto: cleia galeno)

Um baile se instala, sem cortes de narrativa, nem discursos de descobrir a pólvora e negar a China. Só dança, livre, limpa, eficaz como forma, fórmula, tese, antítese, antídoto de curar incrédulos pela novidade que chega, sem ser petulante, só dançante.

(registro de mayara viana)

16 intérpretes bailarinos, em vigor juvenil, vicissitude concentrada e uma força de convidar a recepção a entrar no jogo e sentir quando a arte provoca, insinua, conspira, persuade e rompe as fronteiras, sem ser óbvia, só artística e sensível, pelo esforço de decifrar a própria pedra roseta que há em qualquer corpo potencial à dança.

(um corpo de baile que fala/foto: cleia galeno)

"Centelhas", um estalar de faísca + leve que o ar e vigoroso exercício do exercício, na dança, que inspira o ato e o artista, na busca de ser + arte. Um trabalho para ver, de novo, e entrar na dança porque dança também gera movimento no público.

Há um lampejar de faíscas inspirado em fogo fátuo: "Centelhas".

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