terça-feira, 12 de abril de 2016

Já somos

"Jacy"
por maneco nascimento

Nove anos de experimentações a atos dramáticos e umas boas experiências declaradas aos palcos brasileiros de feições potiguares. Grupo Carmin, de Natal, Rio Grande do Norte, brindou Teresina com a passagem de espetáculo "Jacy", na noite do dia 11 de abril, no palco do Theatro 4 de Setembro para única apresentação na cidade. O espetáculo brilhou por aqui, através do Palco Giratório, na estreia do Projeto de circulação nesse 2016.

Um ano experimentando tratar do assunto terceira idade. Troca da experiência por um salto ao teatro documentário, investigativo, a partir do acaso, ou não. Um teatro de licença forense. Uma frasqueira encontrada na rua, como despojo de uma memória esquecida, cunhou um conciso, respeitoso, (in)discreto enredo a drama e humor, sem apelos de gargarejo.

"Arte e Ciência Objetiva", em aplicação à dramaturgia livre do Carmin ao pragmático entendimento de Gurdjieff In Lina do Carmo (do Carmo, Lina. Corpo do Mundo. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2015. 432 p.{Gurdjieff - o retorno a si mesmo, pag.385]).

(memórias e histórias sobrepostas/fotos: Nany da Costa)

"Jacy" é obra de licença poética dramática que atrai a atenção, prende a recepção e enleia a plateia pela técnica de parecer tão simples a ação despojada de quebrar o paradigma do teatrão, mas mantida a tradição de bem colher a lição de cor ao bem exercer o exercício do fingimento.

Com eficiência objetiva de narrar  história, recontada num misto de histórias orais, depoimentais, realidade e ficção, dramaturgia aplicada do outro para si, ou de si mesmo ao outro presente nas falas sociais, um mergulho nas memórias deixadas pela personagem homônima, que dá titulo ao teatro documentário apresentado pela Cia. potiguar.

A cenografia, luzes que pendem do céu do palco e que são manipuladas pelos atores, à medida que a dramaturgia exija recortes, mudanças de ambientes e ou afinação de marca dramática. Um balcão (keise) disposto à operação do terceiro elemento da cena. O operador de som e luz e, noutros contextos o câmera men e personagem/ator, Pedro Fiuza, que reproduz, ao vivo, os depoimentos de memórias da(s) personagem(ns).

Ao fundo um painel, de placas móveis no próprio eixo, que reconfiguram a ilustração de enredos desenhados, ou projetados em sobreposição à cena dialogada que reúne, ora um homem(amigo, parente da personagem investigada) e uma mulher (Jacy).

O "visagismo" reconfigura a trama e aplica reiteração da história imiscuída ao cunho de identidade do suporte de tradicionais e novas mídias da notícia, ou registro investigativo à documento de justificativa da busca da memória de Jacy.

Ainda da cenografia, microfones dispostos à frente (limite de boca de cena) fazem ao tempo de depoimentos, quebra das personagens do drama às personagens narradoras (ator, Henrique Fontes e atriz, Quitéria Kelly) e duas cadeiras que estão à ambientação da casa aos diálogos das personagens.

 (memórias da terceira idade/fotos: Nany da Costa)

Os Textos de Pablo Capistrano e Iracema Macedo cosem as peças do tecido da memória recolhido com eficácia prática de contar o enredo, que envolve uma guerra mundial, um período de ditadura e fatos comezinhos de Jacy, ficionados ao dramático, ou de cunho real revisitados.

A Dramaturgia mapeada à cena por Henrique Fontes e Pablo Capistrano empreende vigor alegre, alivia e conta sem obscurecer as memórias, nem apontar dramão, mas recuperar a história escafandrada, com alegria e fidelidade cênica e memorial do objeto pesquisado.

A Direção de Henrique Fontes, com apoio do Assistente Lenilton Teixeira, abriga todo um cuidado em ser teatro, fazer teatro moderno/contemporâneo e reinventar-se à linguagem do teatro documental, na reserva de identidade do Grupo e identificação clara e prática do teatro que gera novidade, reflexão social e apreensão cultural das memórias brasileiras "largadas ao vento".

A Consultoria dramatúrgica, de Márcio Abreu, rendeu bem, haja vista o retorno que se vê aplicado ao efeito em cena. Aliás a cena do redemoinho das memórias, criada a partir de ventiladores que conificam rumo ao céu, em espiral, papéis/documentos "perdidos", é de uma beleza estética diferencial, criativa e inteligente. Emblematiza muito bem, metaforicamente, o objeto expiado.

Os intérpretes Quitéria Kelly, Henrique Fontes e Pedro Fiuza, a seu tempo e partitura individual à escala dramática, defendem, cada um(a), com curiosa e delicada atenção todo o enredo implementado pela dramaturgia prospectada. Liberam um felicidade pactual e pontual em doar-se ao teatro que definem sua cena. Fazem-no muito bem.

Contribuem ao endosso da boa estética afiada ao espetáculo, a Direção cinematográfica, operação de som, luz e câmera, realizadas por Pedro Fiuza. Um multimídia que, a sua vez, incorpora dinâmica de entrecruzamento de linguagens e comunica sem deixar ruídos.

O Desenho de luz, Ronaldo Costa, também afina ao coletivo de terceiro, quarto, quinto e quiçá demais elementos que compõem ao bom resultado dramatizado à luz da técnica e sensibilidade equilibrados.

Ainda merecem destaque, a Direção de arte e cenografia (Mathieu Duvignaud) que caracteriza o fiel da proposta e contrabalança o artístico, o memorial, o histórico em representações subliminares e reais, dos porões da ditadura e ou histórias orais recontadas, ou reorientadas aos recortes de quem as contou e reproduziu aos ouvintes e testemunhos de enredos sociais.

A Trilha sonora, de Luiz Gadelha e Simona Talma, desliza suave e enriquece aos momentos de dramas e variações leves do novelo enredado. Registre-se também a Coordenação de produção (Quitéria Kelly); Produtor e desenhista, Daniel Torres; Fotografia, de Vlademir Alexandre e a

Contrarregragem, de Robson Medeiros, que fecham o ciclo Carmin de bons resultados, vistos em "Jacy".


É cena para pensar, rir, reflexionar sobre o tema trabalhado e, especialmente, ver-se parte da dramatização nada fácil de adentrar no fundo do largo e escuro das memórias sociais nossas de cada dia e extrair verdades e "mentiras", através das lentes e vieses teatrais carminseanos, em aplicação de beleza e senso estético do fazer dramático.

fotos/imagem: (Nany da Costa)

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