quarta-feira, 2 de março de 2016

Delicadezas poéticas

líricas "módicas" de estrato moderno
por maneco nascimento

Dizem que rude. O tenho, pois guardo pouco de convivência com ele, como reservado, econômico, audaz, de textos curtos, mas de lições raras e falas precisas, pragmáticas e para bom entendedor. Para os que nunca lhe guardem boa impressão, durmam com isso. 

Gosto do poeta, do artista, do intelectual, porque não?, do homem sábio, de marketing do caboclo simples e rudaz do seu sertão de Caracol, que picou mula para a capital e, por aqui, constrói nome que, se combatem, não parece surtir muito efeito. Sem tom bajulatório, inteligente é admirá-lo. Nem precisa amar, mas ninguém se tornou Cineas Santos, impunemente.

Vez por outra esbarro neste grande poeta, digo isto sem deslumbre quando trato-o por grande. Por hora, acabo de ler mais uma de suas pérolas, em rosário de contas amiudadas, lançadas aos outros. "Pétalas - uma antologia de bolso". (Santos, Cineas. Pétalas. Teresina: Oficina da Palavra, 2010. 130 p.)

Assim, como uma pétala, em sua delicadeza plástica natural de ser rosa e flor, "Pétala" é um delicado de belos riscos poéticos. Como defende o autor, de pequenas jóias, as "miudezas em geral". E não há um, entre os poemas, que desmereça atenção. 

Todos têm seu tempo, concisão e coerência líricas e linguísticas a conceito e semântica abertos à canção de amor, quem sabe da fonte do Livro da Vaticana, e lirismo e moderna poesia e romance, e paixão e sensual e sexual lívido e galanteios e de um eu poético de efígie galanteadora indisfarçável.

Do invólucro que guarda as jóias poéticas, já um luxo de tratamento estético e arte de bem compor. Capa, contracapa, diagramação, projeto gráfico e editoração eletrônica (765 comunicação) e ilustrações (Gabriel Archanjo) já definem bem por onde andejam as conspirações estéticas e para onde vão as mensagens liminares, subliminares, das linhas, entrelinhas e para além das linhas que pescam a recepção.

Na entrada do livro, uma pétala/flor que sugere, à abertura de recepção livre, um vestido elegante de baile, ou sutil vulva em dança, em rosa gradada, sobreposta no rubro(vinho tinto) da capa em papel refinado. 

Na contracapa, outra pétala/flor, mais expressiva, do reservado (sugestivo) do externo interno do belo sexo feminino, na cor vermelha quente e, à ponta inferior da pétala, precipitado ao vertical para a gravidade de derramar o ouro, uma gota que pede à beira do "fruto do prazer". 

Sugestões sutis? Talvez. Ou apenas pétalas que caracterizem a temática que nomeia a obra. Ainda na contracapa, a pétala rubra sensual tem identidade de legenda, onde se lê: [Ei-la que desponta:/inconfundíveis/forma/cheiro/cor/Escancaradamente
/flor] (Idem)

E, quando se abre o livro. Um "dispotismo" de beleza, em poemas curtos, cultos, preciosos dizeres e amares e sugestivos de amor e paixão e atração e atenção dedicadas à mulher amada em cantigas de amor. 

Já no poema-prefácio, é de lembrar uma poeta, [era maio na cidade/quando ele chegou de manso/ouviu o rio e as moças/que desciam em correnteza/pro seu peito sonhador// e campeou os desejos/com força de vencedor/sem esquecer a lição/que a terra seca ensinou (...)/ e nesse teresinar/cresceu o seu amanhã/onde cabem agasalhados/amigos que são irmãos.],  Graça Vilhena (campeador*, pg. 9 [*com música de Luiza Miranda])

A obra se divide em quatro recortes poéticos: Tu, Só Tu; Cantigas de Bem-Querer; Aprendiz de Mim; Mínimo Múltiplo Comum e Miudezas em Geral. E, quando dirigido a Ela, Só Ela, surgem [Se eu disser menos do que deva,/acresça./Se eu disser mais do que convém,/esqueça./É que, em matéria de amor, eu sou assim:/um pouco mais,/um muito menos.../eu nunca sei o ponto certo,/principalmente/se você está por perto.] (advertência, pg. 13)

Ou, [A primeira vez que tomei a tua mão,/nenhum de nós sabia aonde ir,/mas havia luz banhando a manhã./Estarmos juntos era o caminho...] (nós, pg. 33); [Dizem que os afogados,/pouco antes do abraço fatal das águas,/reveem tudo que viveram/como num clipe mágico.../A mim, se afogado,/bastaria a lembrança do teu corpo nu,/exposto ao sol, ao vento, ao meu olhar profano.../Depois que venha o dilúvio!] (assim seja, pg. 35

Agriculta paixão e desejo, arremete ação poética a, [Teu corpo, terra morena,/emite sinais,/demanda sementes/e exala o perfume das floradas./Minhas mãos,/afeitas às semeaduras,/ferem, de leve, a tez da terra/que sangra de desejo.../Meus dedos, ancinhos de veludo,/acariciam a relva-penugem/como quem lê, em braile,/ mensagem cifradas.../E, na calidez da tarde,/tudo em mim vibra/à espera do milagre da colheita.] (cio da terra, pg. 21)

Ou ainda, [Deixa que eu te habite/antes que o galo cante/e por três vezes me negues/e, para sempre, eu te renegue./Deixa que eu te habite/ao menos uma vez/como quem habita casa amiga/onde se sabe o lugar de cada coisa/que dá prazer.] (habitar-te, pg. 39).  

Está escrito, bom humor, sensual e libido à flor da pétala ardente do eu poético. Planta, colhe e dá-se ao prazer de vislumbrar prazer, pois mesmo afogado, a lembrança da mulher desejada pelo olhar profano é consequente de morrer em desejo que chuva, ou dilúvio, precipita o prazer. 

E, brincar com a negação bíblica e renegar a amada, pelos nãos recebidos daquela. Desejar que antes que o galo (de João Cabral ou outro caipira) cante, o galanteador poético insiste habitar a casa amiga do prazer.

Às cantigas do bem-querer, reserva em mais, há mais, canções de amor, [Como faz o pássaro/ao tecer seu ninho,/fiz esta cantiga/(que te dou)/feita de ternura/tecida com carinho./Ternura (pura)/carinho(zinho)/como o alegre cantar/de um passarinho] (cantiguinha[Para Lu], pg. 45); [quando a vida for mais branda/quando o tempo o permitir/quando tudo for pretexto/pra cantar e pra sorrir,/eu tomarei tua mão: rumaremos para o sul/e como os pássaros vadios/nos perderemos no azul...] (vadiação, pg. 49) e mais, [Tenho andado desatento/ao verde dos teus olhos,/mar aberto, doce brisa, convite a navegar.../Marinheiro desatento, assunta o vento:/- É tempo, é tempo de voltar ao mar.] (canção amiga[Para Aurita], pg. 51)

Para o aprendiz de si, sem esfinge, mas enigma, poesia, [O que me separa de mim/me aproxima do irmão/que nem conheço./O meu caminho eu não traço,/do que sou me abasteço.../Entre sustos me desfaço: finda o dia ou anoiteço?] (enigma, pg. 65). 

Das desobediências civis, às memórias afetivas, pululam as lembranças de terreiro de chão campesino e se visita em "desobediência civil", (pg. 67); dos achados e dos deixados, "metamorfose"[Para Antônio Torres], (pg. 69); das "perdas e danos"[Para Diogo Fontenelle], (pg. 71); ao útero inestimável, "uma sertaneja"[Para dona Purcina, in memoriam], (pg. 73); seu lúmen e farol, "o homem"[Ao velho Liberato, in memoriam], (pg. 75); e ao querido poeta, "herança"[Para H. Dobal, in memoriam], (pg. 77).

 Nas aritméticas, o máximo poético em o mínimo múltiplo comum, os famosos hai-kais cineanos, [Na aridez do sertão,/gravados, em óxido de ferro,/vestígios de uma paixão.] (para sempre, pg. 83); [Não sei se errado ou certo,/te amo como quem busca/um oásis no deserto.] (Não sei se  errado ou certo, pg. 85);  [Você estará sempre em mim/como a elegância no branco/e o perfume no jardim.] (Você estará sempre em mim, pg. 87) e o mais famoso [O amor bate à porta/e tudo é festa./O amor bate a porta/e nada resta.] (nada além, pg. 103)

E das miudezas em geral, as mazelas que se quantificam em qualquer língua, pátria, contextos e necessidades, [Mudo,/junto ao peito da menina,/o violino pulsa./Todas as notas se resumem a uma: dó!// Faz frio na Terra do Nunca/e a menina pede pouco:/colo, sopa, pão.../Presa na tela,/ela será sempre a mesma:/triste, solitária, eterna,/com sua fome de infância.] (sempre, pg. 107)

Para bens e patrimônios intangíveis, [Meus avós vivem de rendas:/vovó faz/vovô vende.] (bens de família[Para Leila Micolis], pg. 109); [Mãos invisíveis/semeiam carícias:/GRÁVIDA,/a Terra agradece.], (chuva, pg. 111); [Um rio e sua gente ribeirinha:/pescadores,lavadeiras, deserdados.../Um rio e sua estranha geografia: dividindo a miséria em dois Estados.] (o parnaíba, pg. 113)

E, mais do sempre bom humor poético, [- Os teus olhos são lindos, amor./- Os meus olhos?/- Os teus olhos!/- São os teus olhos, amor.] (colóquio lírico-patético, pg. 121); [No sexto dia,/para honra e glória do Seu nome,/Deus fez a mulher/"e viu que estava bom"./E no sétimo dia,/como nem Ele é de aço,/placidamente, descansou/em seu regaço.] (o verdadeiro dia da criação[Para Salgado Maranhão], pg. 123). Histrionismo profético, da gênesis poética, realiza, ainda, um intertextual com O Dia da Criação, de Vinícius de Morais.

E fecha boa Obra, com poema-posfácio, a outro poeta["Viver/Deveria/Bastar" Nicolas Beher] (poema-posfácio, pg. 129).

Delicioso sabor de leitura, saber da beleza entrecruzada nas palavras que lavram licenças poéticas, de gracioso linguístico, de revertidos semânticos, de conceituais incisivos da práxis enxuta do poeta e bailados sutis e sinestésicos das falas que cumprem vozes sociais em dialética.

fotos/imagem: capa do livro (reprodução web)
Cineas Santos (perfil de facebook)

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