quinta-feira, 22 de outubro de 2015

As Três Clowns

em Tchékhov
por maneco nascimento

A montagem, sob olhar de palhaços (clowns) brechtinianos à partitura individual de cada atriz, de Florianópolis (SC), visitou Teresina na noite do dia 20 de outubro, em apresentação no palco do Theatro 4 de Setembro, a partir das 19 horas.

O texto, do começo do século 20 e parido de um dos mais geniais autores russos, "As Três Irmãs", recebe um olhar para a linguagem clownesca, particularizada na economia e contenção da dramaticidade à flor da pele das personagens construídas por Débora de Matos, Greice Miotello e Paula Bittencourt, em que retêm fidelidade às ironias delicadas de Tchékhov e aplicam fortaleza de grandes mulheres das personagens a grandes mulheres das intérpretes, em gestos mergulhados na dramaturgia de paixão em razão e sensibilidade cênicas.

A adaptação e direção,
de Marianne Consentino, conseguem manter um equilíbrio do cerne dramático do autor e revalorizar o riso contido nas pequenas tragédias da vida comezinha das três irmãs, que dividem mesmas expectativas, sonhos aproximados e mais valia enviesada de viverem vidas longe de sua real felicidade e perto do coração selvagem de quebrar as regras que se lhes impõem a sociedade, a educação moral e cívica e o reverbero das memórias familiares de seus genitores já desaparecidos.
Humor cáustico e perverso em doses conta-gotadas enlinha destinos das três mulheres envelhecidas, em tenra idade, e alinhava o perto e o longe das liberdades desejadas e quase nunca conseguidas a contento pelo impulso dos destinos (pre)determinados à expiação reflexiva do comportamento e natureza humana espiada pela recepção sugada para dentro do ambiente doméstico das (in) felicidades regurgitadas pelas irmãs.

Na dramaturgia de atualização, a cena começa no hall do Theatro para onde duas irmãs seguem e colhem o público e orienta-o à participação do que ainda está por vir, mas guardado o mistério, já divertido, no primeiro contato com as personagens, à curiosidade da plateia. Bexigas (balões brancos) são entregues às pessoas e sugerido que elas encham, mas não amarrem a ponta (boca) do balão. Já no palco, cena em que o público está contido na cena, a surpresa de aniversário da irmã caçula conta com os balões da plateia, lançados sobre a aniversariante.
A partir daí, as outras personagens de Tchékhov que dialogam com as irmãs são puxadas da plateia, à medida que a narrativa se vai afunilando para desfecho do enredo. Comédia de costumes tchekhoviana que tece ironias limpas e venais à sorte da reparação social, as vozes e polifonias da sociedade vão (des)enredando carinhos, solidão, frustrações, lembranças, dores, pequenas felicidades e a esperança de recuperar o lar abandonado há onze anos, desejo que não se concretiza.
"E preciso trabalhar" para manterem-se ocupadas e "É preciso viver", debulhado da boca das personagens como aceitação do destino que lhes é imposto à permanência da vida que negam, enquanto aceitam comiseradamente, é concreto discurso que não abstrai a condição humana, revela-a e expõe à expiação pública.

No escolho da linguagem, de tradição e ruptura, a Traço  Cia. de Teatro sinaliza na sinopse que,
"O espetáculo trata do desejo das irmãs Olga, Maria e Irina de retornarem à cidade natal, de onde saíram há 11 anos com o pai, general. Ainda mais importante que o plano dos acontecimentos, é a exposição dos conflitos que se estabelecem entre o plano da vida material – o cotidiano – e o plano espiritual – a eternidade. O espetáculo aborda o clássico texto do dramaturgo russo Anton Tchékhov a partir da técnica do palhaço (...) A Traço desenvolve uma linguagem própria, pautada no encontro entre atores e espectadores, na busca de estabelecer uma relação livre, direta e potencialmente transformadora."


A concepção musical (Cassiano Vedana, Gabriel Junqueira Cabral, Mariella Murgia e Neno Miranda) tem papel fundamental na consignação da leveza conseguida, sob o efeito dramático e interação intrínseca com as emoções e destino das personagens.

Os músicos Cassiano Vedana, Gabriel Junqueira e Mariella Murgia poderiam ser só um ilustrativo musical, mas embora pareçam estar invisíveis à cena, sua presença preenche de energia vital toda a trama do espetáculo. A música e cantora Mariella Murgia arremata, em melodias sentimentais da partitura individual de cada personagem, beleza comovente e é força delicada, deslizada pelas veias impulsivas e coração das irmãs rasurado.

O Figurino e cenografia
assinados pela Cia. fica na boa medida de estética e plástica finalizados ao contexto da história narrada.Os figurinos têm a alma das personagens e exploram pela segunda pele o expressionismo da alma de cada uma, para tempo de ingênua, "assanhada", ou de tradição materna. Cada segunda pele, das personagens, justifica o íntimo revelado ou escondido de cada uma.

A cenografia, em que músicos e plateia também são apêndice à geografia de cenário e contrarregras, se afina em ambiente a três cadeiras, à esquerda do palco e na fuga da luz do ambiente da coxia, onde as personagens descansam na troca de turno, quando elas solam o tempo condicionado da própria existência confessional. 
O mapa de suas vidas que é terra de morada e pátria de ninguém, já que não é a delas, pois sonham em voltar para casa, é codificada por um tapete de retalhos coloridos, cosidos na dialética de existências fragmentadas e nicho onde descansam a própria sorte e transcendem os dias expiados como licença de passagem.
O mapa, da lição de casa das irmãs, é preso nas extremidades por cordões de retalhos trançados. Quatro pontas de ancoradouro que descansam as amarras nas mãos das personagens, sejam da vida íntima da casa, sejam das trazidas da plateia. 

Aliás, a adaptação que finaliza a dramaturgia nas três irmãs e confere ao público o dialogismo, com as outras personagens que povoam o enredo, é de uma economia inteligente e prática do ponto de resolução de carpintaria teatral.

A Iluminação de Ivo Godois aquece e suaviza as angústias e alegrias tristes recortadas pelo desenho de luz que eficientiza estética e técnica em fusão com o exercício do fingimento. A operação de iluminação de Egon Seidler afina a geografia planejada a efeitos dramáticos.

Trabalho que, segundo conversa com o elenco, surgiu do provocado de trabalho científico da diretora e adaptadora da montagem, tem a orientação de pesquisa dos Prof. Dr. Armando Sérgio da Silva e Prof. Dr. Valmor Nini Beltrame que, naturalmente, detêm afinidade com toda a trama conspirada.

As Três Clowns, da Traço Cia. de Teatro, para As Três Irmãs, de Anton Tchékhov, reverbera teatro refinado e muito vivo. O desempenho garante ao esforço e resultados conseguidos um equilíbrio invejável da arte de fingir e persuasão do convencimento.

O espetáculo "As Três Irmãs" é um triângulo que emenda os vértices com igual atração de respostas de atrizes, mas se transforma em pentágono para justiça matemática, quando somados direção e música e revigora o autor e reinventa teatro na marca de expressão e valoração da arte do teatro, que aqui se assina como santacatarinense.

O teatro brasileiro Girou cena qualificada em palco de Teresina. Grande teatro.


(fotos/imagens: disp. móvel m. nascimento)

Nenhum comentário:

Postar um comentário