quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Um punhado de arte

terreno da cena
por maneco nascimento

Espetáculo da arte do ator, foi o que se viu na quarta feira, 26, a partir das 20h30, no palco do Teatro 4 de Setembro, terceiro dia do FestLuso. 

 (Flávio Hamiltom, em "Um punhado de terra/foto Marcos Montelo)

"Um punhado de terra", montagem do Teatro Art'Imagem, de Porto, Portugal. Com texto de Pedro Eiras e encenação de José Leitão, apresentou o ator Flávio Hamilton, num desenho de luz, de LeonamOrdep, dosado ao recorte do ator. 

(história de raça em diáspora/fotos Marcos Montelo)

Com iluminação suavizada em douro à personagem, que tem em seu entorno, numa extensão dessa luz de recorte à penumbra, um chão de barro seco, esterco ou lama desidratada, onde seus pés ensaiam pisar e contar sua saga de sobrevivência. 

A luz gera equilíbrio de conter e reservar a personagem, no mapa dramático desenhado, consignado na proposta de dramaturgia da cena. O espaço cénico, cenografia, é assinado por José Leitão e José Lopes.

55 minutos de domínio de cena e texto claro, deslizados por Flávio Hamilton.

(memórias oralizadas/fotos Marcos Montelo)

A cenografia, o palco fechado para um formato de cone largo, em que seu bico está voltado para o sul , fundo da encenação. 

A personagem se movimenta, em dinâmica de contenção e expansão, enquanto dedilha a história de invasão e domínios de povos brancos às aldeias e vilas em que viviam todos os que conhecia e foram vilipendiados pela força impositiva de dominadores.

O solo do intérprete, na canção de prisão e liberdade narradas, mantém uma tensão controlada, tanto da corporalização da personagem construída pelo actor, como nas inflexões e nuances do discurso de narrativa do homem negro, preso condicionado às memórias da própria história modificada, quando roubadas as condições de suas origens, de raiz, pelos homens brancos.

Flávio detém uma força qualificada de dizer o texto, construir a personagem, sem espalhafato, e dá-lhe liberdade de expressão, sem imergi-la no dramão. É forte, denso, intenso, mas de uma energia que passa pelo corpo que fala e não falha à contenção de impor a fórmula e técnica de encenar, enquanto denuncia e oraliza a canção do povo e memórias de sua pele étnica.

Consegue, Hamilton, ser doce, mesmo quando a densidade, da história oral representada, está em auge de contar essa memória. Prende a assistência e determina o direcionamento para manter a recepção ligada na sua história oral.

Bom espetáculo. Ator tranquilo e empertigado, mas liberado de intenções que não sejam comunicar e romper os ruídos. Trabalho sem sobras de gorduras, na construção da práxis do fingimento e, elabora narrativa épica, da cena ao público, que, embora em estrutura de quarta parede, esta rui, naturalmente, com a força de sua actuação, sem que essa invisível distância seja eliminada.

(Flávio em conversa com o público/fotos Marcos Montelo)

Sua licença poético lúdica e de realismo distanciado retém tradição e ruptura suctil para melhor aconchegar entendimento e empatia com o discurso e cena propostos. Um punhado de arte em terreno de cena.

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