segunda-feira, 27 de julho de 2015

Falas do "Poeta"

William Melo Soares
por maneco nascimento

A humanidade ainda detém lampejos de liberdade expressiva, sensibilidade conservada, poesia decantada e linhas de pura expressão poética. 

O “Poeta” desfralda as bandeiras do coração, do sim e do não, da paixão, da fantasia, dos amores desejados, das memórias revisitadas, da ecologia, das garças, auroras, águas, ventos, céu, maio, potros, rios, rua, lua, azul, humanidades intangíveis.
(o "Poeta" e sua Obra/imagem página da Bienal Editora)

inicio o poema/lapidando pedra/até fagulhar/versos de encanto(labor, pag. 10), segundo poema, de uma série de 51 reunidos + o “eu te levo...”, em texto de Paulo Moura que fecha o livroNadança dos Peixes Antologia Provisória", de William Melo Soares, edição, Bienal Editora

Na gestação da poesia, o poeta, como descobridor de fogo, lapida o inanimado para animar a fagulha poética, em versos de encanto poema, e lavoura como o segundo na linha de apresentação, escolhido à antologia provisória in "Nadança dos Peixes”. O primeiro, da linha, postula tudo, poeticamente, "a poesia/não resolve/revolve" (postulado, pag. 9)

"Nadança dos Peixes" é de uma singularidade de poesias reunidas, mensagens (in)diretas, (in)discretas, claras de metáforas livres, poesia.


"William Melo Soares faz parte da geração dos poetas dos anos 1970, em que a arte de escrever era feita com apurado cuidado para enganar a censura, pois tudo era visto como subversivo. Nessa época, tentou fazer poesia engajada mas o lirismo que trazia no peito falou mais alto e a sua expressividade se revelaria através das coisas simples, dos amores, aromas, cores e sabores de uma vida vivida em sua essência..." (texto da contracapa, assinado pelo projetista gráfico, Paulo Moura/irmãodecriação)

Assim a Antologia Provisória williamelosoareana lua acima, rua abaixo vai ganhando seus leitores em gestos simples, colhidos do cotidiano em seu frescor poético e de percepções artísticas, que só o poeta, que sabe do ofício, consegue cozer linhas e versos e riscos de falar da vida, numa simplicidade expressiva de quem brinca de reunir beleza, estéticas de estilo e lirismo moderno e versos contemporâneos de boa tradição.

De estética e plástica também apuradas é a confecção do livro. A capa, de fundo azul danúbio, mar "revolto" impressionista à "Nadança dos Peixes", traz um casal de peixinhos em amarelo, sobreposto pela variação gradada e sutil do vermelho, lilás e rosa sóbrios. 

O casal de peixes nada, na dança, em sentido anti horário ao desenho do yin/yang que principia união de duas forças e energias fundamentalmente opostas e complementares, em si, ao dual poético que guarda também o criador em seus lampejos poéticos.

O risco, das palavras que sanduícham a Obra, também amplia recepção de leituras e neologismos de brinquedo do universo conspirado linguístico. Às recepções de leitura, o título "Nadança dos Peixes" abre precedentes para, estar na dança, ver, interagir, testemunhar, a dança dos peixes; ou ainda um superlativo poético que sugeriria uma nadança, um nadar grande, um popular entendimento à dança dos peixes: "uma nadança muito bonita e prazerosa se deu naquele rio infinitamente azul para peixinhos amarelos".

Ainda da capa, o nome do poeta, autor, no rodapé superior, grafado na cor branca sobre o azul da cor daquele mar, em fins de tarde. Abaixo dos peixes na dança yin/yang, o título do livro grafado em amarelo, letra cursiva, o subtítulo vem na cor branca, em caixa alta. No rodapé, fundo esquerdo da capa, o nome da editora, para letras divididas entre o branco dominador sobre o preto. 

Na orelha esquerda, da capa,  o currículo em obras editadas do autor. As letras grafadas do azul escuro sobre o celeste, céu de maio, contido em alguns poemas do livro. A orelha direita, da contracapa, está livre, só domada de azul celeste. A apresentação de autor, contumaz da orelha esquerda, ficou na contracapa. Texto de Paulo Moura, em letras na cor azul escuro (danúbio) sobre a sobriedade do azul celeste. 

No rodapé fundo, esquerdo, o ícone do apoiador cultural. Um hospital de excelência do coração, em Teresina, aparece, iconograficamente, na cor vermelha, em que o único (ó) do nome da instituição é representado por um coração tomado de vermelho puro sangue. Fechada a arte visual do invólucro do livro.

Depois vêm a segunda capa, a terceira, o sumário e a apresentação do recheio com um Manoel, dos brasileiros poetas por excelência, o de Barros, queridíssimo. "As coisas que não têm nome são pronunciadas por crianças." (Manoel de Barros, pag. 7)

Ai começa uma delicadeza expressiva, uma poesia limpa de gorduras, um lavor de espécie livre das amarras canônicas, só produto poético simples, leve, e de memórias resgatadas, reveladas à imersão de tempos e saudades. 

Os galos aparecem em "aurora" e lembram tantos galos, o de Mauro Mota, Antonio Carlos Secchin, Ferreira Gullar, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Aramis Ribeiro Costa, Hélio Pólvora e Benjamin Santos, piauiense de Parnaíba com seus "(...) canteiros floridos e galos da madrugada (...)" e o de William, "os galos/anunciam/a aurora/e a manhã/explode/em pássaros" (aurora, pag. 11)

As radiografias das horas, tempos e sítios e olhares distintos de felicidade contemplada ao registro estético a "encontro das águas", observado em fluência ao mar; alegria e crianças e infâncias em ventos e cores, infância trágica, memórias do menino do campo e do urbano, em "folia dos ventos" (pag. 13); "risco" (pag. 27), "revivendo" (pag. 47), "poema da infância trágica" (pag. 50), "sertão do alto longá" (pag. 55), "Teresina, anos 70" (pag. 61).

Também amplia falas sociais a ecos de natureza perdida e reflexão ecológica, "semente" (pag. 17); "voraz" (pag. 24) à ecojornalista Tânia Martins; "br-o-brós" (pag. 25); "sempre" (pag. 26); "caneleiro" (pag. 28); "amazônia" (pag. 30) a Thiago de Mello; "orla" (pag. 37) ao ecologista Alcide Filho; "piau" (pag. 41), o talvez último peixe que aguaniza no anzol; "cumaru" (48); "ninho" (pag. 54); "céu de junho" (pag. 56); "ternura" (pag. 57).

O "Poeta" intertextualiza poetas e revira a fórmula poética,  em "labor" (pag. 10) e "corpo a corpo" (pag. 31), talvez encontre-se presença de Drummond em seu "Consideração do Poema" (pags. 21, 22, 23, A rosa do povo, 2005), ou em "Procura da Poesia" (24, 25, 26, Idem) e lembra o gauche, poeta das sete faces em "tributo a CDA" (pag. 36). 

E dialoga com "Poeminho do contra" dos versos quintanares e marioquintanianos ao novo poeta, em transmutação sensível à aurora de homens e pássaros, "aurora" (pag. 11), "amazônia" (pag. 30), "passo a pássaro" (pag. 34). Dobal, com suas tardes quentes, de bichos ruminando o silêncio das horas lentas e potros alegres em chuvas de verão, pode abrir chave, em William, na inquietude da construção poética para "indomáveis" (pag. 23).

Soares desliza sobre águas, cios, rios e memórias do campo e urbana, "(...) rios fluindo/orlas douradas/do Poty ao litoral (...)" (encontro das águas, pag. 12); "de algum lugar distante/até onde a vista alcança/margem de rio/ou vazante (...)" (estado de garça, pag. 18); "elegante/a garça pousa/na ramagem ribeirinha (...)" (céu de maio, 19); "(...) um rio morno/ribeirinha/minha infância (...)" (Climério, pag. 21); "rio morno/assoreado/lâmina/d'água/à flor da areia (...)" (br-o-brós, pag. 25).

E, ainda para o tema, "desce o rio margeando/o plantio das vazantes/alimentando em seu leito/essa gente ribeirinha (...)" (rio poty, pag. 32); "não há nada de novo/na orla dos rios/ nenhum sinal de alegria/nenhum cheiro de água-viva/os rios andam morrendo/pela boca dos esgotos" (orla, pag. 37); "(...) eternas em mim as águas do rio Gameleira/deslizando em paz (...) navegando no silêncio/de um lugar" (alto longá, pag. 40); "(...) no vai-vem das cidades/o parnaíba fluindo/rumo ao congresso/das águas" (ponte metálica, pag. 44); "(...) passe pelo cais do rio/de um vapor que evaporou/pro remanso de outras águas/deixando ondas no peito/do Mano Velho barqueiro (...)' (lua acima rua abaixo, pag. 46).

E a encontros e cios das águas e memórias de veios d'água, "(...) varrendo o mal pras lonjuras/juntando as águas da fonte/pra lavar nossa amargura (...)" (encontros, pag. 49); "somos filhos das águas do rio/nossa linguágua/banha a terra até o mar/o fruto que colhemos em pleno cio/acalmará a inquietude desse amar" (cio das águas, pag. 52); "(...) olho d'água cristalina/lá na fonte/do frei pedro (...)" (sertão de alto longá, pag. 55); "(...) volley bar/gente bonita/lâmina d'água/à flor da areia" (volley bar, pag. 59) e "(...) coroas do Parnaíba/piau frito e peladeiros (...)" (Teresina, anos 70, pag. 62).

Do "Poeta", também, contar dos amigos e parentes, de vida e morte e trilhas de lembranças perdidas sobre os trilhos da memória, "o tempo vai/tangendo amigos/pras lonjuras (...)" (Climério, pag. 21); "(...) vem de longe/um som de flauta/dentro da noite vadia//livre feito um passarinho/um passageiro do bem/viajou ao som da flauta/rumo aos confins do além" (dentro da noite vadia, pag. 29, Para Netinho da Flauta); "eterna em mim/a lembrança de teus olhos/vagueando pela imensa brancura/do pendão dos canaviais/de Alto Longá (...)" (alto longá, pag. 40, em memória de meu pai Teófilo Ribeiro Soares) e "rua dos trilhos/silêncio/de ferro/palavra/partida/num trem/para a morte" (sina, pag. 43, Para Zémagão). 

E "Nadança dos Peixes" não poderiam faltar poemas que viraram belas canções, "Caso você siga/lua acima rua abaixo/percorra toda a cidade/por entre becos e esquinas/procure um rastro de estrela/no céu de Teresina (...) no movimento das barcas/me envolva num abraço/só não toque no meu manto/de solidão e cansaço" (lua acima rua abaixo, pag. 46) e "nosso amor é um encontro/de vaga-lumes na noite/alumiando veredas/feitas por bichos e gentes (...) nosso amor é como um bando/de aves na primavera/inaugurando manhãs/abrindo uma nova era/movendo ventos e nuvens/abrindo os braços na espera" (encontros, pag. 49)

e os amores, paixões e sinestesias e licenças de sensual e desejos regurgitados, "meu coração/sabe o valor/do seu ofício/e se encontra/em pleno/exercício/de sua função" (amar, pag. 14); "eu te levo/tu me levas/nós levitamos" (eu te levo, pag. 20);  "(...) estou aceso/pra viver/eterno tempo/quero você/além do bem/aquém do mal/melhor da lida/mulher da vida/malinando no meu peito//hoje amanheci/só pra te amar/é que o tempo/anda bonito pra chover" (bonito pra chover, pag. 25);

"(...) te paparico/em meus sonhos/janelas abertas/luz da lua//em que rua/andam teus pés/pisando em meu desespero?" (paparico, pag. 38); "ficou teu cheiro em minha pele/e a lembrança dos abraços/conversas dentro da noite//restou uma afeição sem fim/misturando corpo e alma/no tempo afoito do amor" (ausência de Zoely, pag. 39); "o amor maduro/colhido/em tempo de safra" (fruto, pag. 42); "você chega assim/desse jeito/abrindo veredas/no meu coração (...) você chega assim/ desse jeito/abrindo/invadindo/acendendo uma chama no meu coração" (madrugada adentro, pag. 60) 

Poema voraz, poesia audaz, "Nadança dos Peixes" dá asas para leveza agressiva "com asas de borboleta/e língua de fogo/o poeta lambe arco-íris" (asas, pag. 33) e se encaminha no poético porque "(...) segue o rio/vida aflora/pela nadança dos peixes" (rio poty, pag. 32, para Menezes y Morais) porque colore a vida em expiação  "quero a vida/linda e leve/feito sonho/em aquarelas/de borboletas/ao vento" (aquarela, pag. 17).

William Melo Soares, o "Poeta", é poeta por excelência de lavor garimpado nas minas ermas das palavras, em descanso de espera da poesia. Brinca de encantar através das palavras e, "Nadança dos Peixes" mergulha-se, com ele, e se ganha prazer de imersão poética que, ora nos revela, ora nos encobre de singela operação cinzelada na palavra, feito ofício na poesia.

É leitura recomendável a qualquer leitor, indispensável a todas as idades da razão e sensibilidade.

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