quinta-feira, 4 de junho de 2015

Amor em rimas

É Casimira Quietinha
por maneco nascimento

Eu, que gosto, perdido Tenho casamentos mil, Com mais de um belo marido, Garboso, rico e gentil, De um velho agora a proposta, Meu Deus! Devia aceitar? Demais um velho que gosta De assim tão jarreta andar! Nada! Nada! Não me agrada! Quero um marido melhor! É bem mau não ser casada, Mas mal casada é pior (... ) Há sido um gato sapato; Preciso do casamento! O maldito celibato Não é viver, é tormento. Quero honesta rapariga Entre as belas procurar, Muito embora o mundo diga: Quem já andou não tem pra andar... A existência de casado Talvez venturas me traga, Se diz verdade o ditado: Amor com amor se paga. Se eu for constante e fervente, Ela tudo isso será; Se eu amá-la eternamente, Ela também me amará! Eu escravo e a esposa escrava, Viveremos sem desgosto; Uma mão a outra lava E ambas lavam o rosto!...” (Copla/Canto: Amor por Anexins, de Artur Azevedo)
“Amor por Anexins” é de linguagem à farsa, foi escrita pelo dramaturgo e poeta Artur Azevedo e para registro por volta dos anos 1870 e 1907, em São Luís do Maranhão e que “(...) segue a trilha da hilaridade da farsa inocente, que explora o jogo com a sabedoria dos provérbios populares em contraponto com a seriedade contida das peças-provérbio, ao gosto francês que também se faz ao brasileiro. Em suma, peças que fossem facilmente entendidas por um povo que começava a criar gosto pelo teatro e que, conseqüentemente, começava a construir sua própria cultura.” (http://amorporanexins.blogspot.com.br/acesso 04.06.2015 às 13h30

É uma comédia que conta a história de interesses a partir do desejo de um senhor em conquistar e casar com uma jovem e bela viúva. Na comédia de costumes, a vocação do autor à alegria e melhor meio que via à dramaturgia nacional. Escrevia para reproduzir “a verdade e a vida, que possuísse ‘exposição, catástrofe e desenlace’ e que divertisse e ao mesmo tempo sensibilizasse. O texto trata com humor questões de interesses no amor, trazendo um inusitado jogo de linguagem e saberes dos anexins que são evocados a ‘toda prova’ na construção da história.(Idem)

De Artur Azevedo, em fins dos anos oitocentos, do século XIX, e início do século XX, para dias atuais, em que Waldilio Siso cria texto comédia às falas e vozes sociais, na narrativa de enredo para conquista amorosa brejeira, a partir de rimas populares de repentes. O mocinho inspira a sua esperteza para enlear a cabrocha espevitada, com ares de puritana. 
 (o mocinho, o pai, a mocinha e o delegado/foto: A. Amorim)

Da empreitada inicial de “ganhar” a mocinha ingênua, o guapo acaba sendo preso na teia do compromisso, visto que o pai dela desconfia da manobra dos mancebos e, com o envolvimento do delegado, se definem os rumos da querela criada a partir dos encontros furtivos dos enamorados.

Para mais uma versão vista em palco, antes ocorreram sete iniciativas, segundo o autor do texto, desta vez pegou à responsabilidade de dirigir Siso, o ator, artista visual e diretor de teatro, Avelar Amorim.

O espetáculo, pelo olhar de Amorim, estreou na noite do dia 02 de junho de 2015, a partir das 20h 30, no palco do Theatro 4 de Setembro, para um público curioso, cheio de expectativas e representativo da classe e de amigos e admiradores do diretor. Público esse que também vinha prestigiar a estréia do Projeto Terças da Casa que, à primeira iniciativa, no mês, estaria direcionada ao teatro, a Terça Teatro.

Da peça, em si, dramatizada, Avelar optou também para pesquisa popular de figurinos, que assina com Edithe Rosa, maneirismos de movimentação de corpo em signos de “commèdie del’arte”, maquiagem idem e algumas particularidades de didatismos da imagem de redundância de efeito sexual (flor de obsessão) ao apelo da conquista da platéia do gargarejo.

O texto de Waldílio constrói humor natural a partir dos diálogos rimados e na picardia popular contida na condução da narrativa para apreender a atenção e intenções que imbricam os encontros e desenredos do namoro rural, às escondidas, que intenta fugir da vigília canina do pai desconfiado.

Os figurinos (Amorim e Rosa) são representativos e composicionais, creditando efeito natural, de dramaticidade farsesca, na escolha de dramaturgia de direção. A maquiagem de pesquisa à proposta e realizada por Silmara Silva reitera identidade sóbria, mas contundente, de representar peso de marca das máscaras das personagens suscitadas pela linguagem de escolho ao ato dramático.

A iluminação de Erickson Pablo também está na média do escopo dramático e compõe desenho de reforçar o matiz da estética e plástica do espetáculo apresentado. 

O mapa de cenografia se finaliza para elementos emblemáticos como um pilão em pé, contrarregra funcional; um carrinho de brinquedo a definir a camionete do "Don Juan" tupi or not niquim; um banquinho/cadeira, usado pelo pai, que ele mesmo introduz à cena; um plástico de bolhas ao fundo, representativo do chão sob a copa do pequizeiro e que ilustraria o barulho das folhas secas pisadas.

A copa do pequizeiro, em que os pequis são tornado realidade estética a partir de luzes pendentes, abrem precedentes aos frutos do serrado, ou céu estrelado, nas vezes de noite nordestina, manecoquinderiano, fecham o design cenográfico.

A música original, criada e arranjada por Avelange Amorim e pré-gravada em estúdio pela Banda formada por Zaqueu do Acordeon; Wânya Sales, na Rabeca; Marcelo Campelo, trompete; Daniel Lopes, Flauta transversal; Beto Boreno, Percussão, e Avelange, na Trompa, dá um sabor muito original e dinâmica ascendente aos preenchimentos de espaços e ilustração de passagem e reforço de cena. A música compõe bem.

O elenco defende muito bem a proposição de direção apresentada. Eristóteles Pegado, o mocinho conquistador, varia entre um malandro de perfil traquinas e falso ingênuo, não compromete seu próprio enredo de compor personagem provocada.
(elenco: Eristóteles, Edithe, Roger, Alex e o diretor Avelar/foto: A. Amorim)

Edithe Rosa, como a mocinha ingênua, também está bem. Salvo a aceleração das falas que, por vezes, compromete a compreensão d’algumas palavras e gera ruídos na comunicação direta, intérprete/público, fica na boa média. + tranqüilidade no desenlace dos diálogos lhe dará tempo de estar muito + à vontade na cena.

Talvez não exigir-se tanto de provocar riso e acuidar na mensagem que a natureza histriônica do texto já traz, poderá impor melhor desempenho e maior identificação com economia e humor + concentrado no menos que é +. Os desenhos corporais à didática sexual geram um over e ficam na obsessão do diretor.

Roger Ribeiro, o pai desconfiado, que traz em sua composição, de estímulo ao riso, um deslocamento farsesco, de sonoridades onomatopeicas, está bem solucionado como construtor da personagem. É funcional e risível. O velho dá um peso e opera às outras duas medidas, a filha e o mancebo, equilíbrio e tranqüilidade de interagir o diálogo.

O delegado espirituoso, elaborado por Alex Zantelli, além de uma máscara muito eficiente à farsa proposta, detém uma construção muito carismática de uma autoridade que interage na cena, tendo como elemento de bengala, uma bicicleta em que está sempre fazendo reparo e abrindo perspectiva de um quase desdém ao que ocorre em volta.

No excesso de flor de obsessão do diretor de dramaturgia de cena, vigora desnecessário, a não ser que propositado para forçar riso, a masturbação que a autoridade delegada realizada ao roçar o traseiro no celim, varão, pneus da bicicleta e até encostar, maliciosamente, a bunda no sexo do mocinho.

Abre um quase precedente de vulgaridade cênica, de apelo a estritos eróticos à pecha do risível, mas teatro de expressão da escolha e, talvez à classificação de público, mesmo que o texto traga discurso à linguística popular e de apelo da ingenuidade rural.

Da dramaturgia que intertextualiza linguagens, ponto para o diálogo das personagens quando elas realizam conversa indireta. Atores manipulam bonecos à semelhança das personagens que interpretam. No desdobramento da ação, as personagens “distanciadas” do real manipulam as próprias falas, com o suporte da linguagem do teatro de bonecos. Metateatro e reforço do lúdico.

Waldilio Siso já pode compensar seu diretor de dramaturgia, Avelar Amorim. Este conseguiu, segundo as próprias palavras, montar "Casimira Quietinha", numa leitura profissional, haja vista considerar as leituras anteriores de expressão amadoras, e orgulhar aquele.

Texto original para Amor em Rimas gerou, a princípio, uma Casimira espertinha da caneta de Siso e agora reverbera outra de estímulo forçoso a platéia do gargarejo, na assinatura de Amorim.

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