quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Cultura local em banho maria

O que comemorar no Dia da Cultura?

A culinária brasileira tem em sua diversidade regional e patrimônio continental um sabor para cada linguística do fazer e servir bem. O menu sempre encontra um paladar para degustar, lembrar e amar comer. Alguns pratos também levam a culinária a banho maria e assim a cozinha avança e já conquistou reis, soldados famintos e gentes de mercados e futuros diversos.

Com a cultura, a analogia pode ganhar uma metáfora de aproximação de consumo, alimento da alma e prazer em um bom deguste cultural, mas não deixa de ser um prato a ser experimentado, Vamos comer Caetano?, lembra muito bem Adriana Calcanhoto. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...” alardeava a Banda Titãs. O sucesso era Comida. Titãs anunciava os idos dos anos 80, celeiro criativo de um Brasil inesquecível e gerador de uma nova imagem cult brasis da nova juventude que aquela brisa cantava.

E como a gente precisa comer cultura e alimentar o espírito à recepção criativa, colhida dos fazedores de cultura, sempre se espera que a cidade e os projetos artísticos resistam e sempre arrombem a festa quando se tiver que computar os últimos dias do ano. Esse 2014 marcou um diferencial, foi ano em que a cultura foi mantida a banho maria. Em se tratando das fundações culturais, estado e município, tivemos um pífio de presença, pedriana, de negar, negar, negar ações sócio coletivas e quem não gostou que gostasse, como dizia a gíria setentona.

Projetos contumazes que desapareceram do mapa da trilha cultural da cidade, o Boca da Noite, o único da pasta da Fundac, não teve vida nesse 2014. Depois de 17 anos de existência, foi a primeira vez em que foi interrompido. Faltou orçamento da administração sheyvaniana em um ano de copa, eleições que destronaram falsos profetas e de mais valia a quem sempre tira uma vantagem do serviço público, seja no caos ou no caos dobrado de reinados de reizinhos de mandatos biônicos. 

No município, projetos de duas décadas, como o Concurso Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” perdeu seu altar de confraternizar com artistas nacionais e marcar templo do teatro de interações e estéticas experimentadas à força do teatro brasileiro. Não teve Lázaro que levantasse e, na revelação do milagre bíblico, assumisse a bandeira da cultura. O ator, diretor de teatro, jornalista e cineasta Franklin Pires garante que a cidade não tem o que comemorar. 

O Teatro de Arena, por exemplo, um dos equipamentos culturais de melhor acústica a céu aberto, construído na década de 60, está abandonado. O Teatro João Paulo II, no bairro Dirceu Arcoverde, está fechado há mais de dois anos numa vaga promessa de que seria recuperado e entregue à comunidade. Furou mais um ano.  “A cultura em 2014 voltou à era das trevas. Nenhum edital, nenhuma ação, movimentos acabando e os poucos patrimônios fechados por falta de estrutura. Vergonhoso!” diz o multi mídia.
 (o diretor F. Pires e a atriz Ivonete Carvalho/image face F. Pires)

As Leis de Incentivo funcionaram muito mal, obrigado. A do SIEC continua com dívidas de anos a perder de vista. A Lei A. Tito, de incentivo municipal, está paradona há mais de dois anos e parece que, na conveniência de continuar assim mesmo, por algum tempo, na zona de conforto de nenhum investimento. Quando a cultura entrará na prioridade de governos? Navegar é preciso, como diz o poeta lusitano, Pessoa. Viver não é preciso, mas cultura é necessária.

 Há quem acredite que a cultura continua mantida em ações que ainda chegam, ou são investidas na cidade. O ator, autor e diretor de teatro de câmara e de rua, Jean Pessoa, diz que viu a cultura acontecer. “Aconteceu. Só precisamos amadurecer mais as propostas. Falta poética. Falta sentimentos, verdade. Falta acreditar”, dá fé.  E quando o assunto é comemorar o Dia da Cultura, Jean diz que sim, há o que comemorar. “O fato de estarmos fazendo, acreditando”, é motivo de comemoração, afirma ele. 
(Alinie, V. Brito e Jean Pessoa no Clube dos Diários/ imagem m. nascimento)

Já Alinie Moura diz que viu "coisas boas e coisas ruins, muito ruins. O que fazer e o que não fazer". Dessa forma ela sintetiza o fazer cultural e a motivação para continuar cumprindo arte e comemorar o Dia da Cultura.

A cidade se revela em suas manifestações e expressa como sabe fazer sua cultura a despeito de pouco, ou nenhum incentivo. A música, o teatro, a dança, a tradição da cultura popular, a literatura, as artes visuais, o audiovisual cumprem seu papel e nem precisam ficar ligadas ao dia do calendário. Podem se bastar porque cultura é movimento social e político da arte em sobrevivência. 

Para Roger Ribeiro, no ano de 2014 “foi visto o que foi mostrado, ora bem feito, ora por fazer, ora com vontade, ora sem prazer. Como a cultura é algo que, por si só, se renova a cada instante, busquemos o futuro”, professa. Para o ator e diretor de teatro “fazer-se cultural é, no mínimo, sempre memorável e ou comemorável”, conclui ao defender que há algo a ser comemorado no dia 5 de novembro.
(Alinie do Carmo, Vitor Brito, Roger Ribeiro e J. Pessoa/imagem m. nascimento)

Comemorar está no calendário de qualquer povo e qualquer cultura em redor do mundo. E, por aqui, é livre comemorar, como é livre também apontar onde as coisas perdem seu tempo de melhores respostas sócio culturais. 

O ator Vitor Brito, acredita que 2014 foi produtivo. “O ano de 2014 foi um ano de muita produção no cenário artístico. Talvez sob um ponto de vista otimista, houve uma diversidade em questão de propostas e linguagens. Novos coletivos, um novo repensar sobre ‘as práticas’ e sobre políticas de incentivo à cultura permearam alguns espaços de discussão. Há no horizonte novas possibilidades de articulação”, aponta. Agora quanto a comemorar, alega que “através de toda essa convergência de novas possibilidades não vejo, porém motivos para comemorações, apenas para a construção de perspectivas que possibilitem o avanço, a difusão da cultura, em suas variedades”, finaliza Brito.

Para quem corre atrás do próprio prejuízo e não deixa a peteca cair, esse ano não foi nada fácil. Benício Bem que leva sua alegria e muito carisma a bares onde assenta praça e mostra seu trabalho de artista da música e do humor, aponta que “Foi um ano de prisão em que os artistas, eu, no caso, me senti exilado. Foi um ano de exilio na arte.” 
(Benício Bem é gente que faz cultura/imagem m. nascimento)

Cantor e compositor piauiense que vinga na noite, Benício se sente acuado quando pensa num ano de quase nenhuma expressividade, foi barra insistir para que a cultura, pelo menos a que o artista constrói, a cada dia, não desapareça junto com as não iniciativas das fundações culturais em seus corredores de políticas de estado e de governos.

O promotor cultural João Vasconcelos, em 2014, foi responsável pela realização da Mostra CulturaThe, quinze dias de ações que envolveu dança, teatro, música, audiovisual, artes visuais e literatura, preenchendo as noites do Espaço Cultural “Osório Jr.”, cumprindo a ausência do Boca da Noite, e, para ele a cultura na cidade “é como se ela fosse assim: ela é gestada em apenas nove meses, de março a novembro e se no dia da Cultura, 5 de novembro, nada acontecer, então não acontece nada”,  terá sido um ano perdido, constata Vasconcelos. 
(João Vasconcelos é gente que vinga/image face J. Vascconcelos)

O artista diz ainda que “a forma de banho maria como a cultura foi cozida pelos gerenciadores da arte local desandaria até uma receita tradicional de Dona Benta”, fecha questão, não sem provocar, “você que não foi contatado amplie a discussão e ponha seu ponto de vista”.

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