domingo, 27 de abril de 2014

A Bahia é Gira

Teatro de Tradição
por maneco nascimento


Teresina recebeu, dia 26 de abril, a partir das 19 horas, no Teatro do Boi - Matadouro, o espetáculo monólogo "Sargento Getúlio", com o ator baiano Carlos Betão. 

O projeto de encenação da cia. Teatro Nu, de Salvador, com duração de cinquenta minutos, tem pedra base na obra original homônima de João Ubaldo Ribeiro.

Com carreira premiada de técnica, experimentação assentada de teatro de raiz, o espetáculo girou boa representação da cena baiana e apresentou palco a intérprete em sincronizada ação de ator e método, quebra para diacronias de intenções e nuances das interfaces da personagem anti-herói construída e as variantes do dialogismo possível no solilóquio jogado, no campo tablado, em que se assenta o enredo da dramaturgia da companhia baiana.

(o contador de histórias Sgto. Getúlio/ fotos divulgação)

Num fôlego extenso, Carlos Betão dispara a força e carisma da personagem na saga aguerrida de retratar as memórias afetivas de vida e mortes que sublinham a trama preparada em falas sociais de Ubaldo Ribeiro e as d+ polifonias acrescidas pelo corpo do corpus teatral, que o artista defende, com toda a força e emoção de configurar teatro qualificado. 

Do valentão e gracioso e, presentemente, incircunstancial anti-herói da literatura nacional, para identidade aproximada com ícones como Augusto Matraca, Lampião, Maria Moura, entre outros signos do memorial nacional nordestino do dramático trágico ao risível e disfarçado humor e arremedos, o Sargento Getúlio, de Betão, varia fole frenético e xaxado em marcha batida, na poeira da caatinga, para valentia, rudeza e guerra de honra provadas e empenhada confirmação da ordem apalavrada. 

Em tão energética e dinâmica inflexão da personagem integrada, que por certos momentos, parece andejar nalguma monocordia de deslize sobre a técnica apurada de atuar do artista,  a peça se estabelece com firmeza.

Com cinquenta minutos de intenso e fértil fervor de (re)contar o homem Sargento Getúlio, o ator dignifica a profissão e oferece à recepção um ato de amor para a cena e lavor de bem representar a si próprio enquanto autor de licenças poéticas e lirismos, em gêneros textuais, presentes na sintaxe, semântica e nas falas do corpo que implementam a construção da personagem.

(o homem agrestino e seus causos/fotos divulgação)

Há uma linha dramática perfilada na extensão do corpo do ator que caracteriza um durão, com maneirismo bonachão, e prosaísmos inconfundíveis, da cultura típica rural, da zona da mata de "nortes" brasileiros, oralizados para gracejar dentro da marca identitária do valentão, marcador das histórias e memórias obradas ao rico inventário popular, ressignificado no espelho sócio cultural das brasilidades indispensáveis, seja na origem, seja na releitura apresentada na marca teatral.  

Os elementos de cena, o punhal (quase extensão do corpo e punho) na mão do "anjo" vingador, o chapéu do aboiador da tragédia anunciada e a cenografia composta de uma lataria (porta de uma caminhonete) fincada sobre tablado, terra limitada da personagem, e um tamborete estão ali por razão estratégica da dramaturgia e desenho da composição espacial. 

A porta do veículo sinaliza a alguma interação da personagem que se recosta em certo momento, ou de passagem a passageiro que observa da janela. Noutra circunstância, quase inspira ilustrativo ou talvez anacronismo. Caso verbalize trânsito da personagem, ou dialética de deslocamento, ainda assim a função fica menor, encoberta pela proeza de convencer do ator em sua arte.

A luz compete para suporte ao vetor dramático, à personagem, o bicho emparedado pela falha trágica que inspira heroísmo e ruína, morte e redenção. + uma vez a luz própria do ator detém maior luminosidade e atomização da explosão do drama. O figurino, limpo, distanciado e realista, sem cair no óbvio, emblematiza efeito do discurso contido no mapeamento dramatúrgico. A música embala trama e drama e fisicaliza o trágico apostado.

A Direção (Gil Vicente Tavares) foca, no detalhe, o tempo do ator e marca determinante do Sargento Getúlio, pondera a empoderamento da identidade na personagem. A dramaturgia textual, de Gil V. Tavares, a partir do original ubaldiano, fideliza o autor sem comprometer a geografia de dramaturgia inspirada.

Carlos Betão consigna carisma, a Sargento Getúlio, que se afina pelo corpo e ânima expressionista. As salivadas, cusparadas e "mungangos" em econômicos trejeitos na cartografia corporal e prosódias, bem naturais, conspiram feliz encontro da personagem com o ator, na manobra inteligente de interagir, gerar eficaz interlocução com o espectador colhido na narrativa de convencimento.

(um corpo que fala/fotos divulgação)

Um denso teatro a moderno e contemporâneo olhar, não foge à luta, topografa território no teatro brasileiro e impõe a cena nordestina, da Bahia, para liberdades e confirmação da tradição que personaliza ato regurgitado. É bom teatro.

 (arte divulgação Sargento Getúlio)



Serviço -
A obra Sargento Getúlio, escrita em 1971, deu a João Ubaldo Ribeiro o Prêmio Jabuti de Autor Revelação, no ano de 1972. A peça inspirada foi realizada em comemoração aos 40 anos de lançamento do livro e os 70 anos do autor.
A montagem da cia. Teatro Nu venceu o Prêmio Braskem de Teatro, na Categoria de Melhor Ator, em 2011.


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