sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Cena de placar

Felicidade (in)festa
por maneco nascimento

Relações “trincadas”, ou truncadas, repercutem quase duas horas de espetáculo pé dentro, sem pausa para amenidades vazias. Ou quando muito, o descanso está disfarçado em teatro distanciado, em interações e intervenções humoradas com o público interlinkado o tempo todo.


Um triângulo, amoroso, de calcinhas e cuecas, investido de carinho possessivo, humor leve, breve e outras vezes cáustico ao caos nietzscheano. Exercício do ator e método, aparentemente despretensioso, para assegurar pretensão e ousadia cênicas que nunca descuidam da geografia dramática para dramas e comédias redundantes de propósitos da arte do fingimento, com práxis de convencimento inquestionável.
 
(triângulo das emoções/fotos divulgação)

Dois atores e uma atriz revezam e revelam as personagens da mãe, filha, pai, amante, namorado, filho, bebês e toda sorte de entrecruzamento linguístico para corpos que falam, riem, choram, dançam e reinventam a partitura corporal, sem desmerecer a linguagem da dança contemporânea, aplicada as verves dos corpos dos intérpretes.

Felipe Rocha assina o texto denso e fluido, num intrincável brinquedo de liberdades experimentadas às vozes, das personagens, inflexionadas para recepções que parecem convergir ao improviso textual e cênico.

Inteligente carpintaria, atraente e antropofágica da assistência dominada pelo canto das nereidas contemporâneas paridas das bocas de marinas, cecílias, anas, margareths, ou de nereus que contrapõem a polifonia feminina representada no enredo quente e apaixonante de “Ninguém falou que seria fácil”. Esse mesmo Felipe andeja graciosa e brechtniana pela cena em contributo de ótimo ator e co-diretor da festa para brinquedo delicado.

A Direção em dramaturgia de cena, de Alex Cassal, é instigante, dinâmica, atraentemente apreendida pelo público envolvido na trama. Não deve fogo à forja de Baco. Renato Linhares e Stella Rabello, numa aliança feliz com Felipe Rocha, travam uma “guerra de titãs” para livres, solidários, integrativos de felicidades divididas com a plateia, sem nunca perderem-se da segurança de encenar aos prazeres declarados à cena e ao cerne do fazer teatral para ciência e sensível ato de fingir.
 
(Felipe e Renato em Ninguém falou que seria fácil/fotos divulgação)

Está tudo lá para que não haja contestação de que Ninguém falou que seria fácil. A Iluminação, de Tomás Ribas; o Cenário, de Aurora dos Campos, a Direção Musical, de Rodrigo Marçal, os Figurinos, de Antônio Medeiros; a Assistência de Direção, de Ignacio Aldunate e a Direção de Movimento, facilitada por Alice Ripoll, se investem, se impõem em produto inteiro e redondo aos exercícios do bem fazer teatro.

Entre o neutro de abertura do espetáculo para uma discussão do casal sobre a perda da filha de três anos, o teatro se instala num calor indisfarçável de cena equilibrada e devotada à arte do ator. Índio, guerreiro shaolin, menina voluntariosa, mulher possessiva, pai superprotetor, filho dislexo, jovem moderninha, mulher liberada, bombeiro hidráulico safadão, entre outras incursões pelas personagens, preenchem as horas de doce e deleite de reinvenção, da atuação em mímesis, de cotidianos experimentados na pele dos intérpretes à franca imaginação carpintada.
 
(amores, cobranças, liberdades consentidas/fotos divulgação)

Stella, Felipe, Renato. Felipe, Renato, Stella. Renato, Stella, Felipe. Uma troca de personagens e os truques de convencimento que só a natureza do teatro propicia às respostas do bom teatro. Ninguém falou que seria fácil reverbera linguísticas, emoções para brinquedos, perigosamente indispensáveis, ao fluxo da comunicação quente retroalimentada pela força da atuação do triângulo, em vértices de dificuldades relacionais e discussão humorada das vezes e vozes de amor incondicional pela natureza das coisas e das causas humanas.


Ninguém falou que seria fácil. E não é mesmo. É arte insistida e regurgitada com precisão de obreiros da profissão de ser artista das cenas. Tá de bem, tá de sorte na bola sete. Ninguém falou que seria fácil é fato, inspiração livre, leve e solta e teatro a toda prova à cena nacional. Goool!

Expediente:
Ninguém falou que seria fácil
Identidade: Teatro - Grupo Foguetes Maravilha
Naturalidade: carioca do Rio de Janeiro - RJ
Estreia da peça: 2011 no Teatro Municipal Maria Clara Machado
Apresentação em Teresina: Teatro do Boi - Matadouro, às 20h
Temporada: 27, 28 e 29 de janeiro de 2014
Circulação: Programa Petrobrás Distribuidora de Cultura (PPDC)
Participação local: público excelente

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