domingo, 1 de setembro de 2013

Dobradinha Lusófona - Parte II

Dobradinha Lusófona - Parte II
por maneco nascimento

Às 21 horas, em momento de encerramento do Festival de Teatro Lusófono, a desfecho da Dobradinha Lusófona, o Theatro 4 de Setembro recebeu no palco, para uma disputada plateia, a segunda peça planejada à noite pela programação do FestLuso 2013. “Pão com Ovo”, do Grupo de Teatro Santa Ignorância Cia. de Artes, de São Luis Maranhão Brasil. Montagem dirigida por César Boaes.
 
(César Boaes, Charles Jr. e Adeílson Santos/divulgação)

“Pão com Ovo” traz um Texto de criação coletiva para mapa de dramaturgia de César Boaes e reúne um elenco faca afiada, com lâmina preparada na picardia popular da madeira de tamboril. Adeílson Santos, César Boaes e Charles Jr. se desdobram em fazer rir, manter a pipoca quente e distribuir assomos de jargões de periferias observadas e linguísticas de domínio comum  à comunicação trivial, para ato de mímesis da vida como a vida poderia ser.

Duas funcionárias de escritório de repartição pública federal, a concursada (César Boaes) e a estagiária, moradora da periferia (Adeílson Santos) dividem memórias da juventude escolástica, enquanto não atendem o cidadão em busca do serviço público.

O fútil ambiente da repartição pública, o mercado de bujingangas, as futricas, maledicências e traições delicadas que envolvem as duas amigas e os ouvidos de outros lembrados. Em outro contexto, a amiga de periferia recebe a visita da emergente, durante o velório do tio da primeira. Nas confusões dos prantos e carpidar das gentes simples, a metida a rica dá encima do marido da pobre, fotografa para registro de facebook o teatro da morte, entre outras primazias da periferia radiografada pela dramaturgia.

O intérprete do marido da pobre (Charles Jr.), uma espécie de “Cala a boca, Batista.” Também acumula as vezes de filha da defunta, cidadão à procura de serviço público e dançarino do Pará, sempre com uma boa desenvoltura de segurar a onda das beldades que circulam em seu desenredo.

O contexto das empregadas em festas e bailes sociais da baixa classe, um deslumbre de representação das linguagens e apropriação dos falares apropriados e molejos de corpos e proposições repercutidas na composição das personagens, em dedicadas intervenções dos intérpretes.

A prosódia natural, os Figurinos, que recebem uma assessoria de Chico Coimbra, para toda a obra montada, os trejeitos e assumições da vidinha simples e boca não lavada com sabão, dão um sabor de gostoso riso e gargalhadas peculiares a apelo direto e eficaz à plateia do gargarejo.  
 
(A emergente, a periférica e o marido barriga branca/divulgação)

Um téte-a-téte entre as duas protagonistas, a rica emergente e a amiga pobre da periferia. César Boaes, numa surpreendente nova rica, com seu desfile de roupas, sapatos e vestidos de marca, um deslumbre de ator em desvendar do mistério do fingimento a fins de convencimento.

Da nova rica à empregada doméstica, com seus shortinhos beirada à mostra e costas nua de blusa malha cavadão, um luxo de despojamento à forja da personagem. O ator Boaes desdenha, sem vaidade, sobre a plateia estupefata, com tamanha acuidade de compor a mulher de dois perfis para padrão entre o refinado e o escatológico. Samba de salto alto sobre a invenção do diabo e ganha o público com esforço de arte do ator concursada. Matura prazer cênico, só reconhecido por profissional da área insistida.

Adeílson Santos, um metro e oitenta de uma negra da periferia, com cinco filhos de nomes bastante incomuns e um marido reprodutor, com poucas intervenções de dono do pedaço, no ambiente doméstico. Ela é quem manda e traz na sua composição uma mulher, entre carismática, simplória com conhecimento da vida e um (des)bocado senso de humor e domínio sobre sua fronteira de sobrevivência, na periferia da humanidade retratada.

Consegue, Adeílson Santos, com sua personagem, mesmo em picos de braveza e furor ensaiado, para + ladrar que morder, marcar território. Detém uma ternura e encanto histriônicos que vence a resistência com carisma pragmático e inteligência da construção da personagem.

Sua empregada doméstica, regueira e de jargões rasteiros de (in)delicadas agressões, versa suing e corporalidade interpretativos que vêm na força do contexto encenado, com verve humorada na economia explosiva. A mãe, dona de casa, estagiária e amiga da emergente, por outro lado então, é um desbunde de eixo econômico num desvelar do trato ao riso e entretenimento. Duas bocadas e os dentes da recepção não a largam nunca +.

O al faz-tudo, Charles Jr., como referência de partner das beldades, sem ser papel de mera ilustração de parede, tem seu tempo e modus operandis de compor a cena e deslizar silencioso, por vezes, sem nunca descompor a dramaturgia.

Tem humor, concentração e equilíbrio medidos e sempre reinveste em abertura à beleza inesperada, dentro do caldeirão de mágico e lúdico prospectados no laboratório de poções das duas protagonistas, dominadoras da cena. Terceiro vértice do triângulo para geometria de matemáticas simétrica e assimétrica.

A Iluminação, de Djair Barros e Oscar Castro, compete ao arredondamento da dramaturgia solicitada. Verte alegria e despende a técnica de sobrevalorizar as personagens, sem interpor-se no tratado das cordas e cordões do riso dado.

 A Montagem da Trilha Sonora, de Jorge Choairy, tece versos e reversos da licença profética de veia humorada sui generis. A licença poética transborda o óbvio e guarnece temas de identidade e identificações orgulhosas às personagens. Afina o tom musical necessário.

Comédia de rasgos e lascados da vestuária dramática de cena, devora a assistência com peculiar competência, em setenta e cinco minutos de atuação pé dentro. Depois regurgita ao sabor de prazer dado e retornado pelo interesse da plateia.

“Pão com Ovo” é o melhor menu ligeiro e com sabor preferencial da cozinha do humor popular e direto. Possibilita à recepção um leve desejo de repetir o lanche, sem que possa causar qualquer perigo de indigestão.

Ao final de “Pão com Ovo”, o diretor César Boaes agradeceu o convite que o trouxe a Teresina. Lembrou que embora o Maranhão seja vizinho tão próximo, nem sempre é possível uma estreiteza de fronteiras. Sendo + fácil, por vezes, reunir espetáculos de África e Portugal, que de São Luís, logo ali, no atravessar do Rio Parnaíba.

Testemunhou, ainda, que foi em Teresina que pisou, pela primeira vez, em palco. Quando era adolescente e protegido pelos pais que o vinham buscar dos ensaios, em retorno à cidade de Timon, no Maranhão, onde morava à época.

Por fim agradeceu a oportunidade criada pelo FETLUSO e Grupo Harém de Teatro que possibilitou a vinda de  sua Companhia de Teatro ao Piauí. Informou, ainda, que já estariam em negociação, com a Prefeitura de sua cidade, a possibilidade de Festival de Teatro Lusófono ocorrer, em 2014, com ações simultâneas em São Luís e Teresina.

Seria uma Dobradinha Lusófona que criará a oportunidade de ampliar + as fronteiras da sede de atividades à Lusofonia que se instala no Brasil. Dito, então, a Dobradinha Lusófona do encerramento do FestLuso 2013, gerou nova pilha a ser carregada.

Agora é esperar 2014 e converter em festa das nações lusófonas o Teatro sem Tradução para palcos de São Luís do Maranhão e Teresina, no Piauí.


Evoé, nações lusófonas!

2 comentários:

  1. Amo ler seus textos por conta da clareza e por nos permitir um verdadeiro retrospecto das cenas vividas das apresentações que você assiste e nos faz essas narrativas.

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