quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Lebres e razões permitidas

 Lebres e razões permitidas
por maneco nascimento

Quando pensei que certezas minhas fossem mínimas incertezas contidas, li um livro. Para poesia de disfarce elegante e prosa de estética apaixonante, fiz minhas paixões pelas letras de um guia de máxima atração ao “Pequeno Guia Da S Mínima S Certeza S”, de André Gonçalves.

Coerência enxuta, coesão astuta. Bom humor regrado pela ampulheta do brinquedo com as letras, frases, orações mensageadas pelos períodos e tempos sintático-semânticos de forjar liberdades escritas entre lebres e razões permitidas. 

Em (des)amor da forja escrita, o autor abre mão a gêneros textuais e apresenta o simples rebuscado, as memórias resgatadas, o completo êxito de um complexo reverenciado à simplicidade da comunicação, entre concretos e líricos modernos do poético transversal.
(livro de André Gonçalves/fotos: facebook Pequeno Guia das Mínimas Certezas)


As variações para o mesmo tema elastecem a escrita e a tornam fruta madura, degustada em entressafra desejada. Os gêneros textuais somam-se ao 

Minidicionário das pequenas GRANDES COISAS - “AVÔ: 1. pai com pós-graduação em paternidade; (...) 7. diminutivo da sabedoria; (...)”; “Lua: 1. a dona da maré; (...) 3. em Minas, queijão pendurado no céu; (...); 12. para os antigos, a Amélia do Sol; (...)”; “Mulher: 1. melhor abrigo contra tempestade; (...) 3. motivo da existência dos poetas; (...) 13. talento na forma humana; (...)”; “Nuvem: 1. a casa da chuva; (...) 5. tapete voador de anjo; (...) 9. almofada do céu; (...) 15. labirinto de avião; (...)”; “Relógio: (...) 2. boi-da-cara-preta dos assalariados; (...) 6. salão de baile dos ponteiros; (...) 10. a casa dos cucos; (...) 15. guru da seita Coelho de Alice (...)”. Verbetes bem humorados, criativos, fora do comum observado e, de todo óbvio, apaixonantes.

Hai kai, em prosa casaram/mudaram/mas nem se convidaram. (Breve relato de um casamento); carta, Carta em portunhol de um capixaba entortado pelo amor à moça argentina desconhecida que pisa em nuvens”; classificados, “VENDO ANO USADO. BISSEXTO. LIGEIRAMENTE AMASSADO NA BORDA SUPERIOR E COM PEQUENAS MANCHAS NOS QUATRO PRIMEIROS MESES (...)”; novas mídias, “Pesquisar neste blog_____________ OK”; poesia, “Outro dia acordei/afastado//de mim (...) é que amar sem me encontrar/é viajar com a chave da casa na mão/é dançar em solidão (...) (Desamor), ou poema de trás pra frente, SOU EU MESMO QUE MAIS ME CAUSA ESPANTO (...)”, ou ainda, era uma vez um telefone/vivia tão quieto no seu canto (...) acabou ficando mudo”. 

Textos em caixa alta, falas escritas à caligrafia natural, textos escritos à mão interagindo com digitados, letras desenhadas entre gravuras expressivas preenchem de poético tecnológico o que por si só já vende como ato criativo e plástico. Um ar de “merchandising” estético revigora a qualidade natural da obra posta. Pronta, seu Lobo, para ser devorada.

+ gêneros textuais se consolidam em prosa poética, “Eu grito para acordar a vizinhança (...) grito pra deixar o carinha que amassa na esquina a namorada, de cabelo espichadinho, com o pau duro (...) Eu grito pra fazer barulho. Eu grito porque o silêncio me incomoda. Me beija. Que eu calo. (Eu grito porque o silêncio me incomoda)

+ poesia, “Aproveita, hoje, seu coração em festa./Amanhã,/vai que desembesta.(Bandeirolas) e outras prosas É para você sair que deixo a janela aberta. Aqui dentro a festa é sua (...) Mas é engraçado: você não vai. E isso é um bom motivo para essa festa nunca terminar. (Festa)

A riqueza construtiva de textos hidratados de inteligência e economia linguística ganha + expressivo mote de poético, sem filosofia escolástica, e reinventa temas aparentemente tão banais, recheados de surpresa e radiografia do íntimo humano para estética de recepção do curioso leitor.

A série para Jackie, um luxuoso inventário das mínimas e necessárias crônicas da cidade que quase não se vê e, quando se vê, pouco se espera enxergar. Em “[As Várias Faces de Jackie S.]” prosa e poesia se fazem forma, sem a vaidade da gênesis original. Só origem humana.

Jackie S. nasceu ao som de ‘Toreador’ 19 anos depois do nascimento de Jaqueline da Silva Só (Silva de mãe e Só de pai, que nunca teve). Jackie habita uma caixa lilás (...)” ([Quem É Jackie S. Breve Biografia, A Título de Prólogo]); “Ninguém sabe por onde anda ou voa ou corre ou rodopia Jackie (...) (Pós-Prólogo: O Álbum de Imagens de Jackie S.); “Jackie S. está em cima do mundo embriagada de tanto rodopiar, os pés dormentes de tanto soltar voz enquanto repete o solo de air guitar que a fez vencedora de um concurso em Xangai, (...)(Face 1 - A Daltônica)

E surgem 
[Face 2 – A Irresoluta]; [Face 3 – A Sincrética]; [Face 4 – A Conquistadora]; [Face 5 – A Alquimista]; [Face 6 – A Imperatriz]; [Face 7 – A Aniversariante]; [Face 8 – A Colombina]; [Face 9 – A Iconoclasta]; [Face 10 – A Apaixonada]; [Face 11 – A Divina]; [Face 12 – A Estrela]; [Face 13 – A Visionária] e “Jackie sabe o kairos para tudo: hora de cantar, cantar. Hora de sorrir, gargalhar. Hora de sofrer, explodir (...) Há uma ampulheta no bolso de Jackie.(...)” ([Face Catorze – A Pontual Dez Mais Quatro/Vinte Menos Seis])

O livro traz ainda, em (des)ordem de diagramação, o “Pequeno Guia das Mínimas Certezas I, IV VIII, VII, IX nove algarismos romanos, V, II 2 [[ dois, III, VI, X ”. Completam a obra rebuscada de lirismo e libertação, a diagramação e papel refinado, as ilustrações para infantes e memoriais de qualquer idade, ícones e iconografias indispensáveis ao ilustrado, álbum de família, transversalidade de linguagens a signos e siglas, memória de pontos da cidade, ladrilhos e azulejos do tempo. O tempo e o vento gerais de qualquer poeta.

1.Literatura brasileira – Crônicas. 2. Poesia brasileira. Design gráfico, garatujas e mãe do Bento, Josélia Neves. Textos, fotos e tudo mais, André Gonçalves. Pequeno Guia das Mínimas Certezas. Teresina, Ed. do autor, 2012. 80p.

(o autor em dia de lançamento do livro/fotos: facebook Pequeno Guia das Mínimas Certezas)

Quando adquiri essa obra guardei-a na estante das oportunidades. Precisava ler. Mas seu tempo e sua hora ainda não eram meus. Agora que atomizada em mim, sinto não ter perdido tempo, enquanto não a havia recepcionado. Ganhei em prazer de ótima literatura devorada.

No privilégio de adquirir o livro, em ocasião de lançamento de uma edição da Revista Revestres, pedi que o autor me autorizasse e ela assim escreveu “Ao Maneco, com um abraço e o desejo de que este livro o ajude a não se encontrar por ai. 27/04/2013 André”.

Resposta ao tempo: perdi-me no mundo da boa prosa e poesia declarada. Na pena do autor ousado e de inteligência requintada, em obra plantada na economia, eficiência comunicativa e tratados afinados para lebres e razões permitidas.

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