quinta-feira, 4 de julho de 2013

Velha guarda


 Velha guarda
por maneco nascimento

A música popular brasileira tomou, naturalmente, o caminho das novas novidades (a redundância é propositada) em que a mídia e a indústria mass média definiram, como sempre, a fórmula do sucesso da vez. Como disse o poeta, “está decretada a morte da música popular brasileira”. Para alguns talvez essa seja a realidade, de fato, sem melhor solução. Para outros, seria esse momento os sinais dos tempos e sua hora.

Talvez não se consiga + ouvir os velhos sucessos que embalaram nossos sonhos, discursos políticos e a geração de contestação, das + belas metáforas e licenças poéticas que o cancioneiro nacional produziu. Mas as construções sociais acompanham seu próprio contexto. Algum + próximo da nossa realidade sonhada, outro muito + próximo da realidade do outro que não necessariamente precisa estar dentro do circuito de nossos interesses.

O interesse parte de focos individuais e coletivos. Funciona assim com os negócios, os mercados capitais, os amores e paixões, os discursos políticos, a arte que se cria e se quer ver consumida, a música que ganha as paradas musicais, o dial e o ponto de telespectador. Tudo está ligado ao que circula na roda da fortuna e também dos prazeres de reiterar a criação que se quer ter consumida.

Ninguém espera que a produção musical das décadas anteriores se sobreponha às das atuais, do mercado cultural dessa década. Insistir nisso seria romantismo e luta inglória contra moinhos de vento. As novas tendências musicais determinam o apelo das populações e sua identidade reverberada. Nada incomum, só a construção das novas antropologias musicais e sonoras brasis.

Também a identidade e a memória social insistem em se manterem vivas. Ponto. Sem elas os escafandristas encolheriam em suas pesquisas, quando futuros amantes buscassem revolver a própria história. Desde os tempos dos grandes programas de auditório radiofônicos até os modelos adaptados ao início da televisão brasileira, muitos exemplos calcam a memória da música popular brasileira. 

Os concursos de marchinhas e sambas que embalavam o carnaval brasileiro; os concursos de Rei e Rainha do Rádio nas emissoras top; os destacáveis programas de auditório de Ary Barroso (a partir de 1943, manteve durante vários anos o programa “A hora do calouro”, na Rádio Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro, em que revelou e incentivou novos talentos musicais. Também com passagem pelas emissoras, Rádio Tupi e Nacional) e Flávio Cavalcanti (“Um Instante Maestro” – TV Tupi – 1960/1970), que legaram histórico ao qual a música nacional não pode prescindir. 

Vieram, ainda, Hebe Camargo (Calouros em Desfile, Hebe Comanda o Espetáculo, Com a Mão na Massa, O Mundo é das Mulheres e Maiôs à Beira-Mar, na década de 1950); Aberlardo Barbosa e sua personagem Chacrinha (Discoteca do Chacrinha, Buzina do Chacrinha e a Hora do Chacrinha); Sílvio Santos (TV Globo, 1966), Édson Cury, na Rede Bandeirantes, o “Clube do Bolinha” (1974/1994) e outros exemplos que, posteriormente, acompanharam seu próprio tempo de negócio cultural na mídia eletrônica.

Das velhas memórias e história musicais, hoje a televisão brasileira guarda resistência e sobrevivência aos atuais dias de tendências que dominam o mercado e futuros promissores da vez. Três vezes sim, dizem os programas de tevê que ainda estão no ar, graças à sensibilidade de quem acredita que há espaço para toda forma de amar e viver a própria arte e cultura.

Inezita Barroso, mantém nas manhãs de domingo, no Canal Brasil, o programa “Viola, Minha Viola”. A música sertaneja de tradição tem lugar cativo a seu público e auditório de televisão pública. Está lá cumprindo seu papel de manter a memória da música sertaneja brasileira arraigada na raiz dos rincões nacionais. Dona Inezita faz muito bem o que melhor soube, ao longo da carreira, valorizar a própria memória.

("Viola Minha Viola", de Inezita Barroso/divulgação)


Raul Gil mantém no ar, variando por alguns canais de televisão, um dos programas de melhor repercussão e recuperação de programas de auditório e calouros, nas categorias infantil e juvenil. Não deve ser top do ibope o “Programa Raul Gil”, mas traz consigo a virtuose de insistir em que a música e o artista nacionais tenham sua oportunidade de demonstrar o talento guardado nas gavetas de expectativas.

(Raul e Amado Batista no "Programa Raul Gil"/divulgação)

No último sábado, dia 29 de junho de 2013, o “Programa Raul Gil” homenageou a Jovem Guarda. A difusão do programa está ancorada no SBT, nas tardes de sábado, a partir das 15h, com um velho apresentador recebendo os amigos de carreira, colegas de palcos e representantes da MPB de anos de platina, ouro, prata e bronze. 

Naquele sábado, os convidados especiais que participaram do quadro “Jogo do Banquinho” que puxa pela memória dos artistas, num certame de perguntas e respostas, atraiu a presença de Wanderley Cardoso, Ângelo Máximo, Lílian, Ary Sanches e Golden Boys. A Velha Guarda, convidada àquele programa, que para alguns era o lado B da escola musical dos anos 60 e febre de auditórios, contribuiu ardentemente à chamada.

As mesmas vozes, os perfis físicos alterados pela idade. A performance não negou a própria história e estavam lá vivos e insistindo em não serem esquecidos por seus fãs que, na mídia atual, são bombardeados pela cornucópia das novidades e frenesi da indústria sonora e cultural. 

Raul Gil na contramão do negócio mass mídia apresentou com respeito e trocou figurinhas com Wanderley, de “O bom Rapaz”, “Doce do côco”; Ângelo, de “A primeira Namorada”; Lilian, de “Sou rebelde”, quando assumiu carreira solo e deixou Leno, seu parceiro de dupla romântica; Ary Sanches, de “Pouco a Pouco” e Golden Boys, o grupo de irmãos que deflagrou sucessos como “Alguém na multidão”. 

(Wanderley, Lílian, Ângelo, Ary e Golden Boy no "Programa Raul Gil"/divulgação)

Alguém, na multidão, sinaliza pela memória sociocultural brasileira. Raul Gil é esse cara e seu programa pode até nem “bombar” o ibope, mas insiste em bombear sangue aos velhos canais da memória do cancioneiro nacional e há quem acredite em seu projeto, senão Raul nem estaria no ar por tanto tempo.

Sr. Brasil (TV Cultura) é nome do programa de Rolando Boldrin que, em outros momentos e outras edições para auditório “Som Brasil” (Globo), já fez muito sucesso na televisão brasileira. Nessa ágora eletrônica o velho Boldrin continua inteiro e entre causos e versos e a memória de raiz, vai o homem e a história da cultura brasileira mantendo fronteiras de sobrevivência artística, apesar dos ventos contrários da indústria dos negócios emergentes, mas contextuais de século 21.

(Rolando Boldrin em "Sr. Brasil"/foto: 
tvcultura.cmais.com.br/srbrasil)

O Brasil tem, em sua antropologia de permanência, amalgamado espaço a todo manifesto artístico cultural e é essa malha artística da diversidade de alinhavos e pontos cruzados à música e culto sonoro produzidos que se alimenta esse país continental. 

Axé, Sertanejo romântico, forró eletrônico, funk, sertanejo universitário, tecno brega, web music e o diverso das novas tendências herdam musicalidade da velha e nova guarda da música popular brasileira, construída ao longo dos últimos 90 anos, ou 100, se não se embrumar a música nacional de fins do século 19.

Com resistentes programas de tevê e artistas que valorizam a própria geração, a velha guarda continua ativa e detém seu próprio espaço seja de mídia pública, ou comercial, e não está com cara de quem entregará os pontos ao agressivo negócio do ibope. Está na mídia até que se cumpra o próprio futuro. 

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