domingo, 30 de junho de 2013

Nau capitã dos folguedos

Nau capitã dos folguedos
por maneco nascimento

Junho sem ser novidade para ninguém, é mês em que pipocam fogos, fogueiras e artifícios, até de plástico, para rememorar os festejos da cultura popular rural e reorientações dos salões urbanos de origem portuguesa, estes que desembarcaram às novas origens em terras gentis e, naturalmente, foram absorvidos a partir das miscigenações e antropologias permutadas.

Colônia de natureza receptora da metrópole portuguesa, o país também recepcionou a orientação católica, de além mar e, nas origens cristãs, festejou ali e alhures os santos da ocasião, Santo Antonio, o casamenteiro, 13; São João, o do ícone memorial das fogueiras, 24 e São Pedro, padroeiro dos pescadores, das procissões fluviais e marítimas, 29. Brasil que não nega as próprias origens, reinventadas e festeiras, não teria como passar impune nesse período junino.

Sejam das lendas dos bois e brincantes (caboclos de pena e vaqueiros, catirinas e negos chicos) transversalizados com os festejos lusitanos e místicos afrodescendentes, a história e memória revivificadas ao redor das fogueiras, ou luz de lamparina, o caldeirão da cultura popular perpetuou a reprodução às novas gerações do pleito da arte e cultura das gentes sertanejas e seus mitos e lendas, representados através de uma das manifestações + antigas da humanidade, a dança.
(Cabocla de pena/fotos: Brito Jr.)

Tal como uma epifania de dança e corpos coletivizados a mímesis original, os festejos juninos ganham forma e efeitos brasis, território afora, e cada sítio nacional delega sua própria forma e fórmula de se divertir e comemorar os idos e vindos juninos. O nordeste tem festa que comeu pelas beiradas e hoje é centro de turismo, lazer, confraternização e encontro de culturas adversas.

As festas de Caruaru, no Pernambuco, e as da Paraíba (João Pessoa e Campina Grande) são só dois exemplos desse grande território de pipocas, quentão, milho e derivados, aluá, o diverso da culinária criativa e degustada, prendas, superstições e crenças fiéis ao festejado mês.

No Piauí, berço da lenda do bumba-meu-boi e suas heranças de currais de criação de gado, as festas juninas, na interface cultural do rural e urbano, catapultaram feitos e festas, interior adentro, e, na capital Teresina, de primeiro a 30 do mês, ninguém deixa de percorrer um “arraiá” e interagir as velhas festas reproduzidas. Nos bairros, vilas e outros campos de animação, a agenda dos santos e festejos de terreiro não negam a própria origem de composição de antropologias em adverso cultural.
(Rainha Catirina/fotos: Brito Jr.)

As televisões locais também dão sua contribuição ao mês. Cada uma empenha seu pulo do gato e os anunciantes bancam a conta. Uma das repetidoras de tevê, que leva o nome de fantasia de Teresina, atribuição original a Coelho Neto, realiza seu “panis et circensis” no São João das Cidades, reúne municípios do estado em concurso de quadrilha a palco de confronto e, em outros espaços, o + do diverso das manifestações culturais local também se manifesta.

Três dias de “folia”, nesse 2013. As noites de 13, 14 e 15 de junho, sempre foram finalizadas com grandes estrelas da mídia e média comercial nacional. O anunciante empresário deveu seu favor cultural, através da lei de incentivo cultural do estado, via mecenato do SIEC. O dinheiro empresarial recebe renúncia fiscal, da fazenda pública, e cumpre seu papel de solidariedade financeira festejada.

A emissora clube de repetição, da Vênus platinada, mantém uma tradição de + de uma década de festejos e repete seu Festival de Quadrilhas com muita eficiência. Neste ano se doou à cidade de 15 a 22 de junho, lá p’ras bandas de um grande shopping, no bairro dos Noivos. E sua cidade junina recebe “flashes” da própria virtuose e consegue equilibrar um concurso de quadrilhas juninas, com concorrentes do interior e capital. Há um concurso saudável em hibridizado movimento reprodutor das festas originais de salões “portugueses”.

Um formigueiro humano de freqüência bate ponto entre barracas, feirinha, rica gastronomia e atende ao chamamento da cidade que diverte, entretém e reproduz o show business da cultura nordestina. Espetáculos de idas e vindas, artistas populares e nacionais midiáticos também contribuem para o artífice dos festejos, facilitados pelo anunciante da tevê e seus desdobramentos de marketing e departamento comercial de mercadorias e negócios. Essa cidade junina não deve nada ao próprio propósito. É festa, é junina e gera número ao clube da tevê.

A pasta da cultura municipal parece ter encolhido nesse ano 13. Não se viu falar do Festival de Bois, uma das boas e naturais idéias às tradições culturais populares da cidade, sediado na zona norte de Teresina, nos campos do Poti Velho e bairros circunvizinhos.  A pasta até tentou incrementar um corso junino e shows descentralizados, em bairros pontuais da cidade, mas vingou novidade natimorta. Os grandes festivais de Bumba-meu-Boi e o dialogismo de cultura popular ficarão para outro pleito, quem sabe + de palanque, quando fevereiro chegar. A cultura municipal encolheu, ou o orçamento o gato comeu?

Mas, antes que o mês acabasse, ainda havia uma novidade que veio dar às raias da pasta estadual e sua Fundac. Do laboratório da Feirinha na Praça (em memória de Luiza Sulica Vitória) aos Folguedos da Prainha (bairro São Pedro, nome de santo junino) e Potycabana (bairro dos noivos, rimando proximidade com santo casamenteiro), o Encontro de Folguedos ganhou margem nacional e firmou-se como O Encontro Nacional de Folguedos, em tradição junina festejada há mais de trinta anos.

As últimas edições, realizadas na Vila Olímpica do Albertão, no bairro Redenção (apologia também à semântica de salvação de qualquer espécie manifestada), esse grande festejo ganhou + palcos, estacionamentos, área ampla de circulação e espaços para praça de alimentação, parque de diversão, barracas típicas da culinária peculiar e trânsito livre para receber toda a cidade curiosa e festeira que acolheu os festejos, no Albertão, sem resistência de estarem centrados em bairro da periferia de Teresina.

Deu certo. O panorama visto da roda gigante é o melhor negócio cultural de cepa popular que a Fundac descobriu para receber artistas da cidade, do interior e de outros rincões culturais brasileiros. No Quadrilhódromo, as quadrilhas juninas disputam espaço entre amadoras e iniciantes e, as + destacáveis, recebem passaporte para concorrer na final do concurso. Evento de 22 a 29 de junho de 2013, recebeu um mar de gente, num vai e vem de atenção às atrações convidadas.
(Concurso de Quadrilhas Juninas/ fotos: Brito Jr.)

Estados do norte e nordeste, especialmente, têm carteira carimbada em todos os anos e o Encontro Nacional de Folguedos repercute culturas diversas de mesmo fim e sai na frente em sua mímesis da antropologia da cultura de raiz. O 37º. Encontro Nacional de Folguedos – 2013, entre suas proposições, lançou neste ano homenagem ao cinema popular nordestino, reproduzindo filmes piauienses e do nordeste temático numa sala de cinema, pensada para o trânsito popular dos Folguedos.

No palco nacional, artistas locais interagem com o manifestado nacional e trocam figurinhas de arte e cultura mix do meio norte e nordestes representados. O estado também executou sua transmissão televisiva, através da TV Antares, num diário ao vivo, e rádiodifundiu, ainda, por meio da Rádio Antares. A equipe de tevê e rádio cumpriu seu jornalismo cultural e doou, aos que não puderam estar, de corpo presente, na Vila Olímpica do Albertão, uma transmissão eficiente do Evento.

Nesse 37º. Encontro Nacional de Folguedos – Cinema Popular Nordestino, o investimento do caixa público parece fazer valer o risco.  Embora as contas da Fundac tenham sido bloqueadas por ordem judicial, em conta de parangolices do governo central do estado e seus assessores diretos de realeza + real que o alçado a monarca, o imposto do cidadão já existe e deve retornar em bem público. Os Folguedos são bom exemplo de que investimento público pode ser real e pagar as próprias contas criadas à cultura + próxima da identidade nossa.

No concurso de quadrilhas juninas, deste ano, a premiação aos melhores seria de R$ 3.400,00 (1º.); R$ 2.400,00 (2º.) e R$ 1.400,00 (3º.). Um mínimo de investimento em concorrência artística, mas de direito do ganhador. Com as contas da instituição cultural impedidas, espera-se que essa premiação não se torne uma novela mexicana, sem sincronia dos diálogos dos dublês da pasta financeira.

Mas são as festas juninas o tema dessa comunicação e, nesse 29 de junho, também se finalizaram os Festejos de São Pedro, no bairro Poty Velho, origem da cidade verde. A procissão fluvial (rios Poti e Parnaíba), missa campestre, festejos de barracas e comes e bebes às margens da primeira igreja da capital (capela de Nossa Senhora do Amparo) deram o mote de encontros familiares da comunidade festejada.

Os festejos juninos se quebram em junho, por vezes avançam julho e agosto na representação epifânica da morte do boi e as gentes ficam satisfeitas por suas memórias culturais revisitadas.

A nau capitã dos festejos juninos, na cidade, o 37º. Encontro Nacional de Folguedos, gerou alegria, diversão e purgação em festa aos dias de sagração e profandade culturais. Fez bem seu exercício de Casa pública.
(Bumba-meu-Boi[boi,  vaqueiro e caboclos brincantes]/fotos: Brito Jr.)

E, nesse agora, de acorda Brasil, espera-se que o país em ação política das ruas também influa nesse estado de descuido com a cidadania e recurso público, porque outros dias verão, os políticos locais e seus gabinetes azeitados de desvios de conduta, em que as manifestações exigirão + clareza dos negócios públicos. Quem viver, nesse ninho nepótico e despótico de política viciosa, verá com quantos paus se faz uma canoa, seja de povo gentio ou massas “gentis”.

O pão e o circo, embora eufemicamente divididos, parecem pratas mofadas. A cidade das ruas manifestadas urge aprender sobre a colheita do trigo de seu investimento.



sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Natureza do Boca

A Natureza do Boca
por maneco nascimento

+ uma atração fez vibrar a noite do Boca da Noite, nessa quarta 26 de junho de 2013. A estrela de Severino Santos, e convidados, reafirmou a natureza do Projeto. Reunir artistas e música das oficinas de criação de Teresina e atrair a atenção e ouvidos do público que visita o Bar do Clube dos Diários e já é freguês contumaz do Espaço Cultural “Osório Jr.”

“Mais certo do que boca de bode”, como diria Chico Pereira da Silva, através de sua “Raimunda Pinto”, é que o Boca da Noite é chapa quente e o centro da cidade não sobrevive + sem essa agenda cultural das quartas feira.

(arte do Boca da Noite/divulgação)


Na última quarta, 26, a música autoral e interpretações da MPB dividiram espaço na hora do artista Severino Santos e seu som peculiar. A galera frequente deu sua participação ativa e o Bar do Clube dos Diários e Espaço Cultural “Osório Jr.” marcaram a forte presença de estar fazendo história e memória da música e compositores locais. 

A recepção, nas últimas edições, tem sido + atrativa. A segurança tem mantido vigilância ao espaço e frequentadores e possibilitado + tranquilidade a quem não perde uma quarta. “Abusos” e licenciosidades têm-se mantido fora da geografia reservada dos jardins do Clube dos Diários, área do Bar, propriamente, e parque interno do Theatro 4 de Setembro.

(arte do Boca da Noite/divulgação)

Quem vem para se divertir, numa boa, agradece. Aos que vêm para outros expedientes, convivem às liberdades naturais de espaço público, mas acabam tendo que compor com as estratégias de manter o espaço vivo e frequentável. 

O Boca da Noite volta as suas velhas origens e as gentes voltaram a + presença, é o que a coordenação do Projeto facilita em seu retorno aos dias de 1997. Então, aos desavisados, comunica-se que o Boca da Noite continua quente. E, aos navegantes, o endereço é o mesmo. 13 de maio e Álvaro Mendes são portas de entrada ao Bar do Clube dos Diários e “Osório Jr.”
Severino Santos cantou, os amigos deram canja, o som que assiste os artistas também esteve bem afinado e aquela quarta feira fez caminho à próxima, porque a cada meio de semana o foco é show e música nossa e olha que não faltam cantor e compositor que não briguem por sua vez no Boca da Noite.


(Severino Santos/divulgação)

A verdadeira natureza do Boca se preserva e os artistas de sons e tons cifrados compõem a cena musical reclamada.

Ah! Abrindo um expediente:
Há + de seis meses alguém arrancou, da parede do Espaço Cultural “Osório Jr.”, a placa que homenageava o jornalista. Ninguém viu, nem dá qualquer notícia concreta de qualquer atitude de renovação da placa de bronze que registrava o local. Salvo qualquer interesse público governamental em preservar as edições do Projeto Boca da Noite, será que há alguma sensibilidade para confeccionar nova placa de identidade do local?
Registro feito. Certifique-se e Cumpra-se.

Encontro c’uma “velha” amiga

Encontro c’uma “velha” amiga
por maneco nascimento

“Raimunda Raimunda” desceu o céu das potestades dramáticas e armou o carroção da licença poética no tablado do Theatro 4 de Setembro, dia 27 de junho de 2013, a partir das 20 horas. A discípula do deus Ex-machine que reanimou os ritos de passagem e rituais à mímesis da tragédia e comédia foi nada menos que Regina Duarte.

Com a disposição de uma ninfeta, a tradicional e talentosa Regina reinou em terras e fronteiras chicopereireanas e reiterou o norte criativo e inteligente de Francisco Pereira da Silva, piauiense de Campo Maior, um dos + expressivos magos de poções e metáforas cênicas ampliadas à dramaturgia brasileira de feições do rico nordeste e suas memórias do inventário popular.

 Criador de “Raimunda Raimunda”, no ano de 1972, a tetratologia piauiense de teatro abriga os textos “Raimunda Jovita na Roleta da Vida ou Quis o Destino: De Pucella e Ninon!”; “O Trágico Destino de Duas Raimundas ou Os Dois Amores de Lampião Antes de Maria Bonita e Só Agora Revelados”; “Raimunda Pinto, Sim Senhor!” e “Ramanda e Rudá”.

Das quatro peças, Regina Duarte recortou duas para realizar sua leitura sobre Chico Pereira. As pérolas (es)colhidas, “Raimunda Pinto, Sim Senhor!” e “Ramanda e Rudá”. Numa saga de mulheres nordestinas, em busca de seu pássaro azulão, Chico ganhou o coração da atriz e deu-lhe mote para brilhar em falas do imaginário coletivo, porque a “vida é sonho” e o teatro mágico é ciência e arte permutadas. A diretora Regina Duarte sacou a carta da manga e reinventou o Chico numa recepção para “Ramanda e Rudá” e “Raimunda Pinto, Sim Senhor!”, quebrando a ordem natural da tetralogia do autor.

Das cenografias, para “Ramanda e Rudá”, no primeiro ato da geografia dramatúrgica de Regina, painéis definem a cena estabelecendo a arena, no tablado, às virtuoses e fugas do artista. Na diáspora em busca da terra de São Saruê, após a hecatombe, Ramanda Regina e Rudá, o hemafrodita de proveta, únicos sobreviventes da bomba atômica rimam a anacronia possibilitada pela dramaturgia trágica. Cenário neutro e preenchido de “vazios” diluídos no ar sólidos.

A “rarefeita” direção de arte planejada à cena ganha equilíbrio e reafina discursos autorais da cepa original e da releitura da direção organizacionada na cenografia e figurinos. Os figurinos e adereços de Ramanda e Rudá ganham ordem, na medida certa, e atomizam ações e deliberadas ilustrações pertinentes ao olho espectador e expectativas dramáticas do “neutro” cênico. Há para os figurinos a pesquisa da cultura popular que emblematizam o ser e estar criativo com economia e arte visual equalizados.

A Ramanda, de Regina, se despe do trágico visto em outras leituras para a obra, como a realizada pelo Maranhão (Marcelo Flecha, 1999) e mantém a energia, alegria e felicidade, no caos, que já tatuavam a rota de “fuga” da Raimunda Pinto até chegar ao desfecho do incidente da bomba atômica, ordem cronológica da dramaturgia do autor. Ramanda Regina tem alegria contagiante e libertária, sem comiserar as próprias memórias regurgitadas no percurso de alcançar o céu nordestino de redenção.
(Raimunda Regina Pinto)/foto: divulgação)

A passagem de “Ramanda e Rudá” ao segundo ato, “Raimunda Pinto”, reintensifica o drama particular coletivizado. A pesquisa musical desliza efeito impactante com “Aos Nossos Filhos”, na voz de Elis Regina. Outra palavra não explicaria melhor a escolha no rito de passagem.

Raimunda Regina Pinto é “must”! Os painéis de cartografia cênica vão se modificando, através de projeções de cidade, lugares, memórias e riscos de cena à medida que as narrativas (pré-gravadas) de apresentação da trama vão construindo o enredo da cearense leporina que vai à cata de sua sorte. “Raimunda” ganha, naturalmente, nova dinâmica e ritmos perspicazes em ação e direção propositada. Está lá a originalidade textual com seu característico apelo de construção da personagem.

Nessa segunda peça, além dos ilustrativos de projeções em correto e artístico de identidade narrativa, as cenas outras montadas com elementos como varal, caminhão e conversível governamental, portão da escola de enfermagem, avião e, demais adereços e contrarregras, cenografisam magia e encanto presentes na sugestão literária, mas operacionalizados com eficiência criativa pela direção cenográfica. Não perde a veia tragicômica, nem a ciência dramática para drama e placebo artístico.

O elenco da contracena, todo masculino (Gustavo Rodrigues, Rodrigo Candelot, Henrique Manoel Pinho, André Cursino, Milton Filho, Saulo Segreto, Ricardo Soares e Rodrigo Becker) repete uma fórmula de proximidade hareniana, mas não gera ciúme. Gesta orgulho à intertextualização da dramaturgia reginaduartiana com umas das + significativas montagens já conquistada pelo Grupo piauiense.

 Os atores que se desdobram, em todas as personagens “antagonistas” de Raimunda Pinto, desempenham brinquedo luxuoso e, em partner consentido ou dialogismo do outro no olho da protagonista, fecham o ciclo de licenças dramáticas à tragicômica leitura realizada por Regina e seu elenco de peso e medidas concentradas.

Raimunda Regina está rigorosamante engraçada, como sugere a rubrica autoral, mas carrega consigo carisma natural da intérprete e muita estrada de tijolos amarelos ansiada e, é claro, gastada pela arte do fingimento e exercício do convencimento ao ator social integrante, personagem coletivo, guardado pela quarta parede estabelecida em dramas e comédias. Sua Raimunda detém o átomo expandido em energia pura e matéria desdobrada para reunificar a quântica da escolha da profissão do fazer rir, comover e gerar reflexão através da arte.

À medida que a Raimunda Regina vai sendo apresentada e o maior espetáculo da terra dramática se estabelece, Chico Pereira vai desdobrando felicidade pleiteada por intérpretes e personagens permitidas. Regina Duarte ao começar sua dramaturgia, pelo fim, de “Ramanda” para “Raimunda Pinto”, retifica a quebra do paradigma da convenção e reinventa ruptura da criação expiada. O texto dramatúrgico é muito claro como papel de fidelidade ao literário.

A dramaturgia de cena conquista um mapeamento requintado e recheado das alegrias e satisfações artísticas, numa clareza de entendimento que parecia não ser possível a quem não carrega vivência e sangue nordestino. Está quebrado outro paradigma. A montagem de “Raimunda Raimunda” (Ramanda e Rudá/ Raimunda Pinto, Sim Senhor!) cumpre seu papel com toda eficácia que o teatro inspira e exprime à cena viva.

Salvo os contextos lingüísticos naturais e primitivos de qualquer sociedade, que estão presentes nas falas e oralidade do elenco carioca, essa montagem, do eixo sul, está para Raimunda Raimunda como o Harém está para a elogiosa ponte que o liga a atriz e, agora também, diretora Regina Duarte. Como diria o Harém, está lá o homem brasileiro no centro da cena e também um corpo cênico em corpus de renovação do encontro com uma “velha” conhecida.

Momentos indispensáveis da montagem, a alegria do circo que antecede a Miss Urânia e todo o corredor de ascensão de Raimunda, em sua troca de maridos até a volta ao seu Ceará, como metáfora da anacronia da natureza humana refletida. A projetada imagem da Bomba Atômica que abre e fecha os ciclos de vida e morte de “Raimunda Raimunda” sanduichiza os destinos de Ramanda e Raimunda Pinto. É limpa e economicamente “ensurdecedora”, enquanto vai revelando maestria e desvelo ao cenográfico que vem compor a saga realizada.

Os deslocamentos cenográficos, os figurinos ágeis e representativos, a iluminação pertinente e sóbria que desenha emoções transversais dão o tempo certo no doce oferecido à plateia. A pesquisa musical e, de efeitos, brinda o cerne de brincadeira séria. Adereços contundentes e vasos comunicantes de todo enredo. Cabe reiterar que o elenco masculino nos prende com respostas muito divertidas para Oly, Goiabinha, O encantador de Serpentes, Isaura e Lindalva, Presidente Getúlio, seu Gregório e ampliam uma Raimunda muito classuda.

Talvez Regina tenha optado em começar pelo fim, fazer uma inversão, indo do sonho e filosofia poética (pós-bomba) à realidade de “agruras” sofridas pela leporina, para em primeira sacada cunhar o + dramático e depois refrescar o ato + sério com a felicidade contagiante daquela que antecede e testemunha a explosão atômica.

Também parece que a escolha tem caráter de sobrevivência. “Ramanda” é + centrada na vida do “nada” em que estão alçadas as personagens do fim do mundo e “Raimunda” exige toda energia e tônus dinâmicos que mantenham a cena sempre viva. Finalizar a encenação com “Raimunda” é concentrar todos os átomos para matéria que requer maior fôlego e disposição para fechar o ato no mesmo nível em que começa.

A purgação da atriz culmina com a da personagem Raimunda, quando + uma vez é resgatada pelo anjo Goiabinha que lhe presenteia com as asas da redenção, após toda a força vital dividida entre intérprete e personagem. As asas são negras, mas redimem em fins do ato de licença do bem fingir.

Imagens e signos completizam vida longa refletida pelas Raimundas, de Regina. O acento, dos corpos falantes, contracena coreografias e massa cinzenta confluídas para simetrias e assismétricos atos de criação. E não há nada que negue o fato de uma cearense testemunhar a explosão da bomba. Sorte é que seja uma cearense que possa regurgitar suas memórias dramáticas e interagir a licença poética do autor.

(Raimunda Raimunda/arte do cartaz)

Raimunda Regina Raimunda é fato. Orgulha a prática do teatro brasileiro e religa sinapses à mímesis da história do homem e sua memória da dramaturgia nacional. Vida longa à Regina!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

13 é sorte. Aposto.


13 é sorte. Aposto.
por maneco nascimento

Cláudia Simone apresentou + uma faceta de seu projeto de dar visibilidade a cantores e compositores locais. Na noite do dia 19 de junho, a partir das 21h, no palco do Theatro 4 de Setembro, a cantora, compositora, poeta, mãe e advogada apresentou o show “Filha do sol do equador”, com Cláudia Simone e Banda.

Na cena técnica musical, teclados, bateria, percussão, baixo e guitarra compunham a plataforma de recepção ao discurso da canção apresentado com Cacau Simone. Na cenografia, uma rede de sisal, disposta ao fundo, estendida sob um telão que reproduz imagens e iconografias arte visuais e cultura popular de resistência, arquitetura de memória e histórias urbanas e rurais, cotidianos campesinos e fotos da família.

A rede natural estendida e a reprodução de imagens em vídeo abrem um link implícito da “rede social” de cultura natural transversalizando, romanticamente, aproximação com as novas redes e sociedades informacionais de fluxos e efemérides das memórias tecnológicas e antropologias da arte dos novos temp(l)os.

Ainda da cenografia sugerida pela direção de arte do show, uma toalha de centro de mesa, em crochê ou renda natural, é plantada no “chão” do procênio, talvez como signo emblemático de palco ilustrado com cultura popular de artesanato manual de linhas, rendas em alinhavos da mora.

Cláudia Simone parece apresentar também um repertório de canções e composições de artistas da terra, selecionados para compor show, cd e DVD que se finalizará em maior evento, dia 30 de junho, no Mirante do Monte Castelo/TV Assembleia.

(Cláudia Simone em apresentação no E. C. "Osório Jr."/foto: piaui.pi.gov.br)

No show, propriamente, visto no 4 de Setembro, um misto de emoções particulares, por vezes incontroláveis e redundantes, e um afobado talento coroado por interpretações que variaram entre samba breque, pop rock, rock da terra e nacional e uma composição própria que integra a coletânea apresentada. 


 Cazuza e sua “Codinome Beija-Flor” pareceu uma forçada imposição de pedido de desculpas localizado, fugindo um pouco do discurso original do pop romântico, para se instalar numa quase amargura de apontar a cidade que nega a raiz.

Cláudia também cantou Edvaldo Nascimento e outros colegas de profissão. Manteve sua postura de performer que a faz fugir do lugar comum em seus shows. Concentra implosão emocional e explode coração percorrendo úteros sangrados que sagram a necessidade de soltar a sua voz. Um bom show para poucos gualpos pingados.

Como a própria cantora observou, ao entrar em cena teria contado 13 pessoas na platéia. Agradeceu ao público presente e considerou importante aquela presença. Argüiu que aquele era o Piauí que, merecidamente, representava não só sua platéia, naquele momento, mas seria também sinal de resistência onde sempre fora difícil manter a arte musical, local, viva e atuante.

O público dos 13 ganhou melhor proporção à medida que a energia positiva e força expandida da cantora iam se espalhando pelo “vazio” Theatro 4 de Setembro. Cantou bem, deu seu recado musical e político de inclusão e visibilidade, gravou seu clip e saiu bem na fita.

Da sua parte romantismo e solidariedade aos colegas de profissão. Da parte de seu público, fidelidade, respeito e curioso carinho de manter a idéia da artista brilhando sob as luzes da ribalta.


Chão de esteiras e deus Ex-machine para catalisar a purgação do artista com complexo de rejeição e forjadas profecias de apocalipse da canção local. Cláudia é alçada a mérito de coragem, insistência premiada no projeto de prospecção de penetração midiática, paladina de vitórias insistidas na música que a cidade compõe e a de artista da cena, aparentemente negligenciada pela cidade, mas contemplada com a platéia dos 13.


13 é sorte. Aposto. Faço investimento para “vida longa à Rainha!” Que as abelhas operárias e zangões contribuam para que haja geléia real, mel, própoles e cera para corrigir as fissuras e paredes trincadas da (colônia) sociedade musical.

Por que o Sinos dobra-se



Por que o Sinos dobra-se
por maneco nascimento

O Grupo Sinos de Teatro, responsável pela quebra da tradição de teatro de câmara e representante, na cidade, da linguagem de teatro de rua, é também quem persiste em ampliar as fronteiras desse exercício cênico que encontra campanha consolidada em outras regiões do país.

Por aqui o Sinos guarda insistência nesse teatro não só para tatuar memória, como também para ampliar convivências de uma das marcas teatrais que, em espaços alternativos e logradouros públicos, reinventa a primitiva escola da “commèdie d’larte”.
 
Definidas as devidas proporções de Teatro na rua e Teatro de Rua, a agremiação piauiense, + aproximada da segunda orientação de palco livre, já encontrou identidade de representação em festivais nacionais por onde demonstrou a “nossa” técnica e dividiu experiências com outros artistas nacionais. E é na Rede Nacional de Teatro de Rua que o Sinos se incorporou para interagir linguagem e reafirmar a “nosotros” por quem dobra-se.

Dobra-se por uma felicidade teatral presente em Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e outras plagas nacionais onde o gérmen da cena de rua contagiou artistas e sua coragem fascinante de atrair a atenção de transeuntes à hora do espetáculo.

Tá na Rua” uma tradição de improviso e partitura de sons e fúria a Sampa e alhures. “O Pessoal do Tarará” está entre bufões, palhaços, arte e compromisso em tradição e ruptura refinadas a Rios grandes e nortes definidos do bom teatro brasileiro.

Na terra do sol do equador o Sinos também engatinha novas propostas, mas já aprendeu a decifrar o segredo da esfinge e se de pés inchados a tragédia se confirmava em dias primitivos, a comédia se estabeleceu, em paralelo, à didática e metodologia iniciáticas dos dois versos da moeda da dramaturgia ocidental que as novas fronteiras herdaram para deleite e releituras do velho teatro de sempre.


 O Sinos encantou a cidade e outras praças com montagens como “Dona Flor e seu único futuro marido” e, segundo Alinie Moura, o Grupo que montava um espetáculo por ano, mas parecia estar repetindo uma fórmula de margem, precisava concentrar maior esforço, pesquisas, novos estudos e reiterar a ousadia de manter a cena na rua. Para esse 2013, as novas intenções já ganham força e liberdades criativas.

 (Alinie Moura em "Dona Flor..."/fotos: divulgação)

“Salão de Beleza”, uma das peças do projeto de pequenas cenas, como exercício de repertório do Grupo, já obteve aplausos e reconhecimento de esforço afinado. O ator da companhia, Cleverson Rodrigues, interpõe personagem da obra de Jessé Quirino e nos apresenta sua construção às vozes da mulher em processo de “mutação” e reinvenção da própria imagem para efeitos de transformação e intervenção de beleza, vaidade, atenções íntimas e discurso afirmativo da própria identidade. Tudo elaborado ao lúdico do teatro com estética, técnica e domínio sincero da obra exposta.

“Salão de Beleza”, com direção e figurinos de Alinie Moura e atuação de Cleverson Rodrigues, abocanhou o 1º. Lugar no Festival de Cenas Curtas, da virada cultural realizada pela OPEQ, no maio último. Cleverson brinca com qualificada alegria de representar e fingir a arte da própria escolha de profissão e não decepciona.

Esse mesmo exercício foi visto dia 11 de junho, integrando o Projeto “Eu, Você e o Teatro da minha vida”, que se manifesta sempre às terças feira, a partir das 20 horas, no Bar do Clube dos Diários. Informa, ainda, Alinie que a performance interagiu alegria na reabertura do Parque Potycabana.

Enquanto “Salão de Beleza” faz carreira desejada, o Sinos injeta outros exercícios para ganhar as ruas. “Agúrias da lata d’água”, com Rafaela Fonteneles, e “Virgulino Lampião Deputado Federal”, com Alinie Moura, já estão aquecidos e prontos para saltar à cena. O texto original das novas montagens também leva a assinatura de Jessé Quirino. A direção segue um padrão de discussões coletivas no Grupo e finalização dramatúrgica de “palco” a cargo de Alinie Moura.

É a nova peça premeditada, em azeitado processo de confirmação de identidade e identificação cênicas, que o Teatro Sinos de Rua traz à nossa convivência e apreciação. Porque o Sinos dobra-se pela cena da cidade e pela memória e história do teatro brasileiro em pulsação dinâmica.

Boca é Radiofônicos


Boca é Radiofônicos
por maneco nascimento

O Projeto Boca da Noite, em seus quase dezesseis anos, mantém uma brisa quente de compor e impor-se às noites de quartas feira, no Espaço Cultural “Osório Jr.”

Para confirmação da arte local de compositores e cantores da terra é que o Boca da Noite “enfurece” as quartas feira e as tribos e artistas da música marcam agenda e encontram-se no bat local apropriado
. Na área e arena que envolve o Complexo Cultural Clube dos Diários/Theatro 4 de Setembro (Bar, escadarias, palco, parque e entorno) tudo gira em festa no campo livre.

Nessa quarta, 19, o brinquedo permitido foi Os Radiofônicos, com Henrique Douglas et all. Um charmoso show para pops, rocks, rokabilies, covers ampliados, papos de jia consentidos, ousadia juvenil e beleza festejada desses jovens que a brisa quente encanta enquanto cantam Radiofônicos.

Diversão, entretenimento, arte, cultura, música e músicos compõem muito bem o Boca da Noite. Já identidade curiosa, juventude intertextualizada e insistida em se reafinar é o faz com que os Radiofônicos não só incrementem seu próprio público, como também fixem atenção a novas entradas de espectadores, quando se confrontem com novos palcos. 

Alegria contagiante, ironias e anarquias em desdém disfarçado, metalinguismos composicionais e “metáforas” de plástico entrecruzam as músicas autorais e ganham picardia e disfarces “picantes” de sexo a implícitos entendimentos da plateia que acorreu ao Boca da Noite, do último dia 19 de junho.

Os Radiofônicos embora ainda pareçam manter uma boa convivência com releituras de músicas alheias, não confirmam alheamento para com a própria identidade de serem artistas e grupo musical acertada.

Nas paradas de resistência, há alguns anos e algumas mudanças estratégicas de sobrevivência, a Banda carrega consigo uma tênue, mas presente, linha divisória com o exercício covers a hits emblemáticos. Não caracteriza demérito, mas causa obra e efeito de se fazer presente em cultura de fina estampa à reinvenção musical.















(Banda Radiofônicos/foto: divulgação)



 Exemplo de um hibridismo linguístico, charmoso, e recheado de causa própria d”Os Radiofônicos é o que foi visto na noite do Boca da Noite último. Bom público, boa atenção na platéia confirmada e um barulhinho bom concentrando ação cultural no palco do E. C. “Osório Jr.”.

Na noite do dia 19 o Boca da Noite provou que é Radiofônicos. Tá na meta de arte e cultura esse burburinho incrementado. Dá sal na língua.