sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ópera pedra

Ópera pedra
por maneco nascimento
Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja” (Mt 16, 18)
O Theatro 4 de Setembro recebeu estreia, dia 22 de maio de 2013, às 20h, do que talvez seja o + profissional musical já empreitado em Teresina. “Jesus Cristo Superstar (uma produção amadora autorizada por The Really Useful Group LTD)”, com letra original de Tim Rice e música de Andrew Lloyd Webber. Segundo material de divulgação “O maior ídolo que já existiu como você nunca viu.” O musical segue carreira nos dias 23 e 24 de maio, sempre às 20h.
De “Jesus Cristo Superstar”, com Dramaturgia de Cena, de Adalmir Miranda e Direção Musical, de Edivan Alves, ainda reúne Coreografias de Sidh Ribeiro, com assistência de Elem Brito e Produção Executiva de Júlia d’Almeida. Um arrojado espetáculo para os tablados de casa, sem dúvida. Força teatral e energia concentrada para um foco comum, criar pioneirismo estrutural para musical local, prática já experimentada por outros projetos de similar linguagem.
Com atuação de quarenta atores, cumpre o papel da cena e encanta a olhos vistos, a partir das Estruturas de metais a planos dramáticos (João Pinho) e Assistência Cenográfica (Isabela Nascimento) que se somam ao Design da Iluminação (José Gerardo Soares) e Design de Áudio (Mike Soares).
As canções originais, traduzidas a solo português do Brasil, mantêm os signos sonoros da Broadway e preenchem os ouvidos até mesmo de quem nunca tenha ouvido falar desse fenômeno teatral, que revisita outro grande fenômeno da história da humanidade testemunhada, o Cristo proclamado, também, através do rock e sua época de ouro cantada.
Ópera pedra parece negar o Cristo pop rock, por três vezes. Judas Scariotes, de Andrré Nogueira, o contador do enredo em dramaturgia de ótica vilã, abre licença a primeiro sinal bíblico. O intérprete articula a ação referenciada pelo diretor de cena, mas concorre, em discurso de abertura da tragédia, com deslizes para cantor/ator que representa peça chave do drama. Pareceu perder-se em desequilibrio de ritmo, arte cantada presa na garganta e quando evoluiu foi para semitons e agudos, raspando a partitura da garganta, com exagero de técnica truncada. Um esforço ingênuo para quem parece não ter aprendido “de cor” a lição de cantar.
A beleza física do ator empresta fulgor frizado à personagem do traidor que, bem vestida (Design de figurino – Teresinha Gomes, Levy Eliezer, Ivoneide Ribeiro e Leonardo Barbosa) e investida para André Nogueira, desliza à cena com pequena segurança, parece + se esquivar para a sombra do coro e ou à da presença solar do Cristo (Alysson “Chucky” Sampaio) que se impor em tônus corporal, inflexões e impressões vocacionais, próprias da arte do ator, que pleiteiem + verdade ao Judas planejado à pele de músico/cantor.
(Cristo, de Alysson, em foto de ensaio/divulgação)

Por outro lado, a generosidade, do intérprete/ator, doada por Alysson Sampaio ao Cristo rockizado, parece apresentar os dois lados da moeda, para Césares e para deuses do Olimpo. Movimenta-se bem, economiza no discurso corporal e carrega consigo dramaticidade que evolue em expansão e recuo para preservar a personagem e deixá-la + incorporada no ostensório aos rocks, pedras, arte e epifania declarada. Suaviza canções a afinados tons e sons equalizados na cifra original musicada.
Apoia-se tranquilamente na música defendida pelos Arranjos de metais (Fábio Juliano); Baixo (Athos Rodolfo Soares); Bateria, de Isaac Ribeiro; Teclados, de Laércio Barros e Leone Vinícius e pela Guitarra quente de Mário Araújo. Na mesma clave de entendimento vocal está Gislene Danielle de Carvalho, com sua Madalena afinada e contida em contexto expressionista de apreensão do mapa musical. A Maria, de Ateneia Rodrigues, visualiza o drama no enredo vocal premeditado e dá sua participação comovente à cena.
Edivan Alves, talvez tenha ficado muito preso às obrigações da Direção musical do espetáculo, não parece ter conseguido fugir da burocracia da montagem para ficar + representativo como a iconográfica personagem de Pilatos. A “lavagem das mãos”, de Edivan Alves, perde força na geografia cênica. Está lento, quase hesitoso e a canção fica presa na garganta e no corpo intimidado pelo arroubo da montagem a ser expiada. Parece espiar-se em pouca coragem de se lançar na cova dos leões. Inspira homem de pouca fé traduzida à cena. Nega a Cristo pela segunda vez.
O sinédrio composto por Caifás (Sérgio Barroso) e Anás (Lucas Coimbra) cumpre o recurso da voz e marcas estabelecidas. Caifás mantém registro vocal, dentro da narrativa melódica, bem aplicado. Anás, por vezes, exaspera agudos e fibriliza o coração da partitura desenhada. Com pouca vivência, propriamente de cena, Sérgio e Lucas andejam com cuidado para não comprometerem a linha divisória entre o cantor aplicado e o ator iniciático. Repercutem sonoridades aos efeitos de plano ao show biz.

(Ato da traição: Sinédrio e Judas/divulgação)
Simão, de Cayo Castro, também se representa no coletivo musical alinhado. Esaú de Barros, no Pedro que nega o Senhor, desempenha voz e emoção em técnica de cantor para roqueiros e ou solistas pop. Não compromete o conjunto, equilibra na sua canção a virtuose que percorre o terreno de coristas, dançarino (a)s, eleito (a)s, vilões e do Divino.
Ópera pedra, para que não se esqueça, nega “Jesus Cristo…” pela terceira vez, quando se detém na operação de som ineficaz. Muito ruído na comunicação e respirações sôfregas, colhidas (naturalmente) pelos microfones auriculares. As iniciativas de afinação, ou reparação do equipamento, na cena, uma sobrecarga de preocupação dos intérpretes enquanto atuam. A falha técnica, do som, diminui a estratégia de ação ensaiada pelos artistas. Mas o que sobra, para além da desconstrução operada pelo som, deixa uma alegria orgulhosa em ato mantido vivo pelo corpo narrativo da história.
As falas, do corpo coletivo, coreografadas preenchem de sabor hipnotizador a recepção. O coro afinado avança, furiosamente, pela engenharia cênica e ocupa os espaços em exercício bem aplicado.
Assim como o bíblico confirmado em trina negação a Cristo, há também o que se confirma como proposta de quebra de paradigmas e manutenção da tradição em ruptura. Franklin Pires, um Herodes em mix de Andy Warhol (pop art) e Clodovil (cult over) ao midiático contextual, nas atualidades prementes. Ganha a plateia pelo apelo da identidade e identificação da cultura cor-de-rosa, na defesa da origem celebrada do show business.  Ritualiza o discurso a novo momento dessa aldeia de híbridos fluxos de valores. Transforma a performance de Herodes em recorte significativo, na ópera aquecida, entre pedras da idade dos metais. Ganha sua coroa de louro e brinquedo em felicidade reinventada.
Da dramaturgia adalmirmirandiana há emblemas irrefutáveis. Os lampiões a gás transformados em céu de Getsemani é imagem de lúdico e ciência fluindo. Da atualização contextual, implementa policiais truculentos que, em prólogo, prendem os músicos na gaiola musical e os transforma em sabiás aprisionados.
 O sinédrio, com suas maletas de dinheiro, também aponta para a banalidade dos prevaricadores de plantão. A dramaturgia apresentada costura as pedras selecionadas, algumas para melhor brilho no palco, outras ainda opacizam o céu das estrelas musicais. Nivelar o brilho, no drama, talvez exija lapidar maior esforço que o de um ano de laboratório, especialmente porque os diretores da cidade não assentam, ainda, domínio sobre os signos e siglas musicais.
O ícone da cruz de ferro, brilhante e vazado, pendido no ar, é também imagem eficaz e gera beleza outra, quando se reúne a tapete de sangue que margeia a pietá da última cena. A. Miranda montou seu sonho musical e surfa em mesma onda dos cantores/músicos, projetistas originais da montagem, genuinamente piauiense, deJesus Cristo Superstar”.

(o milagre do artista: Jesus Cristo Superstar piauiense/divulgação)
Não fuja do registro, o elencão de apoio luxuoso à montagem: Adalmir Miranda, Aline Rocha, Anne Beatrice Sousa Lima, Beatriz Magalhães, Dário Costa, David Ribeiro, Denise Alaggio, Elem Brito, Felipe Mendes, Glaycy Carvalho (Elfa Anwar), Gabriela Barreto, Giordano Bruno Leal Moreira, Isabela Nascimento, João Vieira Junior, José Carlos Di Santis, Laura Marques, Leandro Harias, Levy Eliezerde Sousa, Lucas Belchior, Nadedja Leal, Patrícia Ferreira, Raylane Leal, Rodolfo Soeiro, Teresinha Gomes.

 
(Jesus e o milagre musical rock local/divulgação) 
Dançam em casa, Eline Costa, Francinete Soares Monteiro, Juliana Ribeiro, Marina Araújo, Márcio Gomes, Miguel Eugênio Sousa e Natália Bacelar. “Jesus Cristo Superstar”, para rock, metais e pedras amparadas, não perde a prosa, nem a poesia musical. É show!

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