quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Absurdo e academia


 Absurdo e academia
por maneco nascimento

O concorrente do XIX Festival Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” – Ano Adalmir Miranda, na quarta feira, dia 07 de novembro de 2012, às 20h30m, no palco do Theatro 4 de Setembro, atravessou o rio Parnaíba, vindo de São Luis do Maranhão. Para digestão das fábulas existenciais e inquietações humanas, os jovens artistas e estudantes da licenciatura de artes cênicas maranhense desvendaram uma leitura de obra samuelbecktiniana.

Primeiro amor”, com Raphael Brito e direção de Abimaelson Santos, assinala em release: 

(...) a história de um ser, de um homem, de uma espécie, que ao contrário de outras, não está em extinção, mas presente no contexto de vida de cada indivíduo, afirmando a natureza intratável dos apegos humanos (...) Revelando um momento catastrófico de sua vida, uma voz sem nome conta uma história deprimente, escatológica, lírica e surpreendente: a sua (...) Nesta caminhada, encontra o que chama de seu primeiro amor. Talvez um grande obstáculo ao seu desejo de livrar-se do contato com outras pessoas e confirma seu presente vivendo o passado.

Na cena, propriamente, Raphael Brito andeja, nos 50 minutos dramáticos, pela cartografia elemental do exercício para o ator e sua obra, a arte de revivificar o fingimento. Com tônus acadêmico e marcas limpas vai a personagem, sem nome, forjando seu tempo ou não tempo das horas de discurso dramático que atrai ao teatro da suspensão, na contramão semântica do mapa aristotélico e às vezes do Becket e seu absurdo.

Uma trupe de acadêmicos das cênicas justifica sua proposta de dramaturgia revelada, que passaria pelo teatro contemporâneo e repescagem de métodos científicos da dramaturgia universal experimentada. Há uma referência pensada e executada à partitura do corpo e sonoridades apropriadas na pesquisa da dramaturgia do ator e seu método.

A cenografia, caixotes brancos que sugerem caixões ou outros objetos utilitários ao enredo apresentado, posto que o caminhante espacializa experiências da rua, cemitérios, casas e bancos de praça. A desconstrução cenográfica, aplicada durante as narrativas, ilustra pedagogia de entendimento que demonstre deslocamentos e ações, ou ratifique a não negação da dinâmica de aproveitamento do material cênico.

Ator concentrado para falas e oralidades prospectadas de novela, prosa, de Samuel Becket e inflexões que delineiam conflitos e ditos, não ditos, silêncios obreiros do confuso das falas que estão para ser ditas pela boca do sujeito dramático em ressonância barulhenta existencial. Raphael mantém uma desenvoltura empertigada que concentra ato e marca dramáticas na liberação do vetor de teatro experimentado.

(Raphael Brito em "Primeiro Amor"/ foto: divulgação)

Há em alguns momentos de angústia, da personagem, em que as falas do ator se mimetizam no metralhar do desesperado planejado, mas que cria ruídos comunicativos. Se proposta de não precisar ser compreendido, perdoa-se. Se deslize interpretativo, ou o teatro possível do dia específico, então a ciência da cena requer burilamento para melhor recepção de quem participa da fragilidade intensa da personagem.

Abimaelson Santos, no constructor da facilitação de dramaturgia de cena e pesquisa musical depreende desenho que não compromete o corpo dramático em execução. Consegue, em parceria com o intérprete, gerar impactantes odes a aflitos de identidade com a obra expiada. Imagens e indução a corpo intencionado para lingüística própria, variável à dedução de gestos laborais ainda escolásticos. Maturidade e regurgito da teoria científica dará uma natural organicidade a pleito, já em pleno despertar da primavera teatral.

A iluminação recorta ações e intenções apropriadas à dramaturgia composta e define caminhos sutis aos passos e riscos assumidos, na montagem, à personagem reverberada. “Primeiro amor” aquece o coração do público, inquieta e abre conflito que gera reflexão e volta ao conflito das atenções de quem se detém na cena aberta e obra de teatro.

Como todo primeiro amor, intenso e intempestivo das paixões (in) consequentes, também terá seu tempo de ressaca, maturação e reinvenção do amor arrebatador. Logo estará suave e concentrado como estalar degustado, em hidratação da sede que se impõe nas aventuras da práxis teatral. 

Vontade e desejo, saciados pelo sabor das vinhas de Baco, é futuro de toda manifestação teatral que se inquieta e garimpa experimentações.

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