quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Beleza Pura


Beleza pura
por maneco nascimento

[...] expressar o particular do artista moderno: a capacidade de ver no deserto da metrópole não só a decadência do homem, mas também de pressentir uma beleza misteriosa, não descoberta até então.[(1991, p.35-36) Baudelaire IN Fiedrich IN Reinaldo, Lilásia Chaves de Arêa Leão. A poesia moderna de H. Dobal. Teresina: UFPI. 2008, 184 p.]

A lírica moderna, invenção de Charles Baudelaire, nos permitiria ver beleza na fuga do padrão convencional de “beleza e verdade” clássica. Autor deFlores do Mal é também detentor da obra Sobre a modernidade(2004) em que, segundo a pesquisadora Lilásia Reinaldo

O feio adquire condição de belo na modernidade porque para o poeta e o leitor da poesia moderna, o belo antigo não provoca mais os mesmos efeitos ou emoções. Numa acepção possível, o feio tem sua beleza, não porque tais conceitos tenham sido realmente modificados, mas porque na modernidade a poesia ‘transvê’ seus objetos.(Idem)

É dessa nova poesia “transvista”, através de novas linguagens e desconstrução do óbvio, que a Casa de Zabelê apresentou resultado de pesquisa, de janeiro até setembro deste, para o espetáculoCores – Pintando o Mundo de Alegria”, com dramaturgia coreográfica assinada por Kiara Lima.

 Em mundo de novas contemporaneidades e urgências de sobrevida a cada “abate de um leão”, a Casa de Zabelê completa 16 anos de atividades continuadas em interações a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, na cidade de Teresina.

O Projeto da área, também do lúdico artístico, possibilita um salto de qualidade no universo da decadência social banalizada que aponta em qualquer centro urbano brasileiro.

Beleza, pureza de política de aplicação coletiva do fazer cultural, insistência em ampliar o campo de visão da sociedade, pouco acomodada no eixo das políticas públicas oficiais de cultura e, intenção cultural de minorar dificuldades interrelacionais e sócio-políticas do estado e sociedade é que a Casa de Zabelê manteve laboratório de apropriação artística à clientela facilitada.

De um número de 110 pessoas atendidas pelo Projeto Casa de Zabelê, nas diversas atividades oferecidas, 51 crianças e adolescentes compuseram a montagem de dança contemporânea de “Cores – Pintando o Mundo de Alegria”, vista no palco do Theatro 4 de Setembro, dia 25 de setembro de 2012, a partir das 19h48, a um público de amigos, familiares, pessoas afins e curiosos.

Do espetáculo um enredo que da coreografia “Sombra, inexistência da Luz” (preto) seguida, ao alinhavo, por “Luz Pura” (figurinos em branco), “Sombra e Luz” (branco e preto), “Pingos de Tinta” (primeiro exercício de mistura de cores), “Da Cor do Céu” (azul), “Verdejar das Folhas” (verde), “Arco-Íris” (o diverso do matiz), “A Cor do Amor” (vermelho) e “Mundo colorido de Alegria” (coletivo do elenco em todas as cores). 

O figurino, uma pedagogia de apresentação das cores através das coreografias ensaiadas ao resultado proposto. Graça e encanto de crianças, pré-adolescentes e adolescentes em visita à sala do artístico. Um desempenho coletivo da arte estimulada à fuga do lugar comum das vidas comezinhas e encontro com o artístico potencial presente em qualquer um e, para aquele espetáculo, nas meninas da Casa de Zabelê.

A coreógrafa, Kiara Lima, brincou de trazer à expiação pública o exercício da dança praticado em sala ao tablado da cena profissional. Consegue atrair a atenção do coletivo que dança para desenvoltura escolástica de representação do eu no outro e do outro facilitado ao coletivo de identidade social.

Uma flor nasceu na rua! (...)” e que “(...) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.” (‘A Flor e a Náusea’: Carlos Drummond de Andrade) e mantém-se em teimosa existência a despeito de qualquer sinal em contrário porque de natureza viva. Um canteiro regado há 16 anos pintou cores em toda a memória construída e repercutiu respostas sociais em Teresina.

Nessa noite de apresentação de espetáculo e despedida direcionada aos pais e familiares das crianças assistidas, a diretora da Instituição, Carla Borges, declarou que a Casa de Zabelê passa por dificuldades financeiras à sobrevivência e que a partir do dia 26 de setembro de 2012 fecharia as portas até que houvesse uma solução de repasse de recursos via convênio ASA/PMT.

 (...) Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu (...)(‘A Flor e a Náusea’: Carlos Drummond de Andrade) e há de sobreviver às intempéries contextuais desse agora. Ninguém completa 16 anos, bem vividos, para morrer no ócio do descuido oficial. 

As cores, de natureza viva, da Casa de Zabelê já romperam o asfalto e invadiram a conveniência da comodidade dos ofícios públicos. Têm força de impor-se sobre o senso comum e a beleza pura conservará a própria sorte.

Esse pássaro de cores e voz lírico-moderna ressoará nas plagas desse nicho em aridez enredada. “A província deserta” não poderá prescindir da arte que salva o homem.

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