quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Nelson sem obsessão

Nelson sem obsessão
por maneco nascimento

O Grupo OFIT (MS), composto por Luciana Kreutzer, Bruno Moser, Emmanuel, Natali Allas, Mayer e Aline Duenha, mostrou sua cena no palco do Thetaro 4 de Setembro, dia 08 de agosto de 2012, às 15h30m, para um público extraordinário de artistas, curiosos, amantes de Nelson Rodrigues e estudantes convidados do Colégio Estadual Zacarias de Goes – Liceu Piauiense.

A montagem, “A Serpente”, de Nelson Flor de Obsessão Rodrigues, chegou até as terras piauienses na esteira do Projeto SESC Amazônia das Artes, que através do SESC Piauí encontra facilitação interativa do teatro da Amazônia Legal. Vindo do Mato Grosso do Sul, o Grupo OFIT experiencia aos olhos daqui sua visão para uma das + delicadas, numa seara de grandes textos, carpintaria nelsonrodrigueana.

Dois casais dividem o mesmo apartamento, doado pelo pai das irmãs Guida e Lígia. Um casal é realizado plenamente e o outro tem problemas desde a noite de núpcias. Nesse universo de amor, (in)fidelidade, ódio, ciúme, traição, desejos interditados ou revelados e o sexo como mote para a tragédia enredada, com força dramática e acuidade textual impenetrável para erros dramatúrgicos, é que se conspiram as vozes de “A Serpente”.

A dramaturgia de cena, de Nill Amaral, tenta equalizar Nelson sem fugas para virtuosismos conceituais. Mantém a rubrica do autor a quase cegueira das paixões obsessivas, meticulosamente construídas na dramaturgia autoral. Por outro lado o elenco parece vomitar o sintético e persuasivo texto nelsonrodrigueano sem ter aprendido a digeri-lo. Cai no lugar comum e desfaz a mora tão bem costurada pelo genial Nelson.

Falas diretas, objetivas, coerentes e coesas para contextualização dramática, mas moderníssima, perdem todo efeito de inflexão da emoção fria e cínica, para decair, nessa montagem, na aspereza da efeméride de dramalhão longe da ideia original planejada. Até que a dramaturgia de composição abre um sinal de fumaça “noir”, quando apresenta uma quase linha de transformação da trama enredada em um tango a “la brasilena”.

Nesse quase perspectiva, os casais representados, dessa leitura, não se definem se dançam ou se intepretam o que sugere, para ato de ator, o artista carpinteiro e pai do teatro moderno brasileiro. Há cenas em que as personagens das irmãs poderiam pisar firme em chão manchado de luxúria, mas andejam como se ensaiassem passos de dança de salão.

Os homens da peça, representantes do obsessivo tônus de pegantes e viris, canalhas e cínicos, não conseguem ganhar forma na linguística corporal dos atores que interpretam Décio e Paulo.

Para Nelson Rodrigues, o ator que se intimidar com a instigante e provocadora habilidade de choque e causa-efeito, impacto pelo morde e assopra pimenta, cai em desgraça de não realização. A metralhadora giratória dialogada em bem construído raciocínio mordaz é para ser enfrentada sem tabus, ou meias verdades. É Nelson por Nelson, não dá para ser diferente. Será diferente é o resultado, fora do Nelson, com a perda da obsessão.

A leitura à cena do OFIT é imberbe, ingênua, tímida e quase lograda ao erro dramático. O elenco parece imaturo, ou então optou pelo + fácil.

O texto sai mal compreendido, as intenções perdem-se no vazio de ouvidos moucos e tem, essa “ Serpente”, uma ligeira e incondiconal tendência à monocordia. Soa distante e cheia de ruídos à comunicação de propósitos específicos do autor. Sibila um Nelson sem obsessão. Não fosse toda ciência de construção textual finalizada em “A Serpente”, do Nelson, nada + consistente sobraria na realizada pelo OFIT.

A cenografia de cortinas para filó, algodãozinho e renda que recortam ambientes e criam espaços de fugas e de representação à sombra e penumbras propostas, é de olhar muito eficaz, pena que as personagens, em pouca compreensão do objeto já bastante dissecado, não conseguem deslizar pelos espaços fragmentados e propostos pelo cenógrafa Maira Espíndola.

A luz, de Gil de Medeiros Esper, também inspira ambientações e força nelsonrodrigueana. Há claros e escuros dissimulados, caminhos e armadilhas que finalizam o ardor que a obra natural exige, para céus e infernos meticulosamente pensados à dor de mata e cura, sem culpas ou falsos pecados capitais.

Não há como distinguir qualquer sinal de diferença nas interpretações, são de uma “sobriedade” de pouco conhecimento e nenhum monólogo interior. Os dois rapazes que praticam as vidas de Paulo e Décio caminham pela margem das personagens, sem perceberem que em não pisando na água, no exato momento das intenções, não lograrão o mesmo rio, ou talvez morram na praia sem descobrirem para que lado deveriam ter nadado.

As garotas, na pele de Lígia e Guida, brincam de fingir sem experimentar o verdadeiro princípio do fingimento, a arte do ator e de seu método sempre reiventado para teorias propostas. Gritam sem arranhar o próprio útero, não encontram nuances nas falas tão apropriadas das amarguras, dissimulações, cinismos e ironias colocadas na boca das personagens.

É impossível não emocionar qualquer público para uma cena posta. Colegas de cena que os assistam, talvez se incomodem pela imaturidade imprimida para textos tão cheios de frescor e verdades sórdidas que antes de serem ditas, precisam ser ouvidas por quem as vai deter na cena, para só então elas se organicizarem no reverbero à recepção.

O Projeto SESC Amazônia das Artes cumpre seu papel de circulação de informação, de culturas distintas e de possibilidades de demonstração da arte em cena realizada por outros colegas e estados desse continental Brasil criativo. Walfrido Salmito, que não disfarça o empenho em nos aproximar do teatro brasileiro de qualquer resposta, está de parabéns, cumpre um papel sócio cultural que a cidade precisa.

A nosotros, insistentes da cena, ficaremos nos devendo ver uma montagem de “A Serpente” com seus diálogos curtos, pragmáticos e recheados do veneno mordaz da Flor de Obsessão.

Salvo o centenário do grande Nelson que se comemora neste ano, toda palavra dramática será motivo de expiação e todo teatro nelsonrodrigueano será para enleio e orgulho, mesmo que seja o imberbe Nelson sem obsessão do Grupo OFIT.


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