segunda-feira, 18 de junho de 2012

Um Coxo Brilhante

Um Coxo Brilhante.
por maneco nascimento

Oito atores, cinco técnicos e um mundo de fantasia premeditada, lúdico dividido, estética de palco concentrada e uma energia atomizada à sorte de melhor cena planejada. Assim se estabelece o Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare e a majestade para cômicos e trágicos destinos encenados, em Sua Incelença, Ricardo III, visto no quintal do Teatro Municipal João Paulo II, dia 17 de junho de 2012, a partir das 19 horas.

(Marco França em "Sua Incelença, Ricardo III"/foto: Pablo Pinheiro)

Caso a Cenografia (Ronaldo Costa) tivesse que passar despercebida, seria uma outra fábula, a do esquecimento. Porque o que parece simples, embora cuidadosamente elaborado sob pesquisa de cultura nativa e popular, vai ganhando forma de pompas e circunstâncias às nobrezas, realezas e aristocracias ilustrativas do “engodo” da razão e historicismos.

A cerca de faxina que transforma-se na prisão de Clarence e campo de sua morte, um luxo do simples elemento rústico do nordeste (varas e cipós) em legenda de identidades e identificação. As carroças ciganas, emblematizando carroções medievais e sacadas de palácios, a seu turno, ou ainda janela de cortejo do fuxico, servem aos dois universos contextuais do enredo, sem nada a nenhum dever.

Os Adereços (Shicó do Mamulengo) qualificam a dramaturgia da estética composicional que apresenta as personagens e enriquece o campo de guerra, intrigas e traições arquitetadas pelo Javali Sanguinário. Os objetos de cores e efeitos estão para a terra árida de qualquer sertão brasis, ou às vezes de geografias britânicas e reafirmam a experiência que, a placebos e ciência estudada, receita soluções vigorosas ao teatro vivo.

Escudos de cipós, lanças de varetas e talos, espadas (peixeiras cangaceiras), cabeças de nobres artesanadas à base de coco da praia, coroas e adereços diversos de cabeça, reinventados de chapéus de palha e, ou de couro de boi curtido (ao cangaceiro/matador de aluguel), entre outros, uma heterogeneidade para anglicismo, iberismo e nordestes em sangria de vidas severinas.

O Vestuário (Gabriel Villela) das personagens figuram uma riqueza sublime e criativa, arraigada de elementos da elegia e religiosidade em cores, signos e emblemas naturais da cultura de heranças imbricadas entre a Ibéria mestiçada e o contemporâneo de novos elementos prospectado da conformidade do “velho”

(Marco França em "Sua Incelença, Ricardo III"/foto: Pablo Pinheiro)

Da rosa vermelha (bem querer) à rosa branca do contraponto (vilão), em metalinguismos dos matizes correspondentes, o mimético dá-se, no todo, a viés afinado pelas mãos da magia villeliana.

O Mapa Musical que envolve, na Direção, Marco França, Ernani Malleta e Babaya; nos Arranjos Vocais, Ernani Maletta e Marco França; nos Arranjos Instrumentais, Marco França; na Preparação Vocal e Direção Vocal para Texto e Canto, Babaya; na Música Instrumental Original, Marcos França e na Pesquisa Musical, Gabriel Villela e o Grupo Clowns de Shakespeare, uma deliciosa entrada de rigor e elaboração aos efeitos sonoros entre o canto popular, o rock, o erudito e as virtuoses musicais indefectíveis.

O enredo musical que desliza pelas cirandas, as tradicionais poesias musicadas e memórias nordestinas gonzaguianas, incelenças às exéquias e o rock inglês de melhor ponta, temperam as vidas devassadas pela ruína das relações de nobreza isabelina, invadidas pelos agouros da Acauã, ou maldizer da sorte de Açum Preto. Mistura e combinações tabeladas às novas químicas que elementam universos do Ocidente maior e ocidentes outros sobreviventes.

A Iluminação (Ronaldo Costa) que mapeia a fábula, no círculo das falas e falhas trágicas da humanidade shakespeariana representada, eleva a energia plantada na cena e vigora a luz e brilho ascendente das personagens do brinquedo elaborado. A ribalta, círculo limítrofe da cena em arena, se amplifica com a guirlanda à feita de céu do circo popular fascinante. Os lampiões a gás que alumiam os “carroções/palácios e sacadas”, completo ciclo luminar de Sua Incelença, Ricardo III.

A Adaptação Dramatúrgica (Fernando Yamamoto) é de uma sacada max para texto original de Shakespeare. Em forte aliança de linguagem, coroa a cena no casamento acordado com a Direção (Gabriel Villela), sem perder-se lição trágica original feita tão envolvente e envolvida na natureza da cultura popular nordestina, entre o alegre, o histriônico e o clownesco de tradição.

Elenco enxuto e invejável. Dudu Galvão se desdobra em Narrador, Lady Anne, Rivers, Cidadã, Buckingham e Richmond, com qualidade de individuação cênica feliz do palhaço ao trágico, é show de brilho. As facetas de César Ferrario para Clarence, Duquesa e Tyrrel Jararaca, uma sorte de amor tranqüilo ao teatro apaixonante e apaixonado.

Joel Monteiro, em máscaras de Brackenbury, Hastings, Cidadã, Rei Henrique VI, Rei Eduardo IV e Prefeito, dá-se em completo deleite e doces facilitações do riso e da felicidade. Camille Carvalho e suas personagens de Assassino, Criança, Cidadã e Soldado de Ricardo, bem como Paula Queiroz/Diana Ramos na pele de Assassino, Criança, Cidadã e Soldado de Ricardo, conseguem um exército afinado à virtuose do diverso da interpretação.

As outras mulheres fortes, Renata Kaiser (Margaret e Cidadã) e Nara Kelly/Titina Medeiros (Rainha Elizabeth), completo conjunto feminino de melhor defesa da própria arte. Cada qual a seu tempo, sua inflexão textual e arroubos do histriônico e tragédias anunciadas tendem a ser muito + que a literatura dramática possibilita.

Um homem coxo e brilhante, um animal racional transmutado a “besta” (des)governada pela própria falha trágica, com todas as anomalias morais que a natureza ricardiana possibilita. Está encharcado de perfídia, tramas, deliciosas traições e um desgoverno da mora já sendo fiada, é a melhor tradução ao risível dramático cinzelado por Marco França.

Com sobrenome que antecipa o nome do Estado bélico que derrota Ricardo, parece costurar, como Vil Aranha, a sorte em que o virtuoso França se autoflagela, quando feito Cão Imundo ou Porco Espinho e veste-se para matar, na pele de Ricardo III. Na licença poética de recepção, a França derrota o França, cavalo do Sapo Danado.

Íntegra interpretação para malícias, silenciosas armadilhas em maléficos olhares e máscaras assentadas que traduzem em corpo de economia ou de amplos arroubos de poder do senhor aleijão. Marco França, um marco espelhar de solos interpretativos do ator à cena. Qualidade encontrada no coletivo da montagem.

Uma incelença, duas, três incelenças em loas ao vilão que desce ao Paraíso das sombras, enquanto ascende ao banquete de ambrosia à mesa de Baco, Sua Incelença Ricardo, de M. França.

Gabriel Villela, Ivan Andrade e Fernando Yamamoto, Marcos Barbosa, Giovana Villela, Maria Sales, Nilson da Silva, Kika Freire, Janielson Silva, Diano Carvalho, Rafael Telles, Anderson Lira, Caio Vitoriano, Larissa Azevedo, Pablo Pinheiro e Arlindo Bezerra estão com a “merde” em amor tranqüila.

O Clowns de Shakespeare tem o segredo de Midas às mãos da cena acesa. Meu cavalo por um reino de excelência dramática potiguar!





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