terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Teatro e Antropologia

Teatro e Antropologia
por maneco nascimento

A história do teatro ocidental herda ritos iniciáticos das festas profanas em rejúbilo ao deus grego Dioniso ou Dionísio, equivalente ao deus romano Baco (Baccus), deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, mas, sobremaneira, da intoxicação que funde o bebedor com a deiade. Filho de Zeus e da princesa Sêmele, teria sido o único deus olímpico, filho de uma mortal, o que faz uma divindade grega atípica. 1

Do mito, segundo textos clássicos, Zeus engravidou Sêmele, sem que Hera soubesse, e prometeu à princesa que ela poderia pedir o que quisesse. Enganada por Hera, pediu a Zeus que se mostrasse a ela como se apresentava a Hera. Sem poder recusar o pedido, Zeus aparece em carruagem de raios e trovões e Sêmele morre por causa do susto. Zeus pega o bebê prematuro, de seis meses, e o cria na coxa. 2

No tempo certo, o deus desfaz os pontos na perna e entrega o bebê a Hermes para que o leve a Ino e seu marido Atamante, para ser criado como menina. Hera usa de vários artifícios para se livrar de Dioniso. O casal enganado e enlouquecido pela deusa acaba matando os próprios filhos. Zeus engana Hera, + uma vez, transforma a “menina” em menino e o entrega aos cuidados das ninfas, de Nisa, na Ásia. Premiadas, pelo favor ao deus, elas são transformadas nas estrelas Híades. 3

Depois de adulto ainda sofre raiva e perseguição de Hera. Fica louco e vaga por várias partes da Terra. Ao passar pela Frígia, a deusa Cíbele cura-o e o instrui em seus ritos religiosos. Curado, ele atravessa a Ásia ensinado a cultura da uva. Foi o primeiro a plantar e cultivar parreiras. Dessa forma o povo passou a cultuá-lo como deus do vinho. 4

Nas lendas romanas, Dioniso tornou-se Baco, que se transforma em leão para lutar e devorar os gigantes que escalavam o céu. Foi considerado por Zeus como o mais poderoso dos deuses. É geralmente representado sob a forma de um jovem imberbe, risonho e festivo, de longa cabeleira loira e flutuante. Tem em uma das mãos um cacho de uvas, ou uma taça e, na outra, um tirso (dardo) enfeitado de folhagens e fitas. O corpo é coberto com um manto de pele de leão, ou de leopardo. Traz na cabeça uma coroa de pâmparos e dirige uma carruagem tirada por leões. 5

(Dionysos/estátua romana século II, estilo helenístico/acervo: Louvre/ colhida da wiki)


Os ritos religiosos dedicados a Dioniso eram conhecidos como os Mistérios Dionisíacos. Implicavam, normalmente, em agentes tóxicos, na sua maior parte vinho, para induzir transes que erradicavam as inibições. O culto ao deus se dava para rituais, mas há pouca informação para a maior parte deles. Sabe-se que os ritos se centravam no tema morte/renascimento e que a maior parte dos praticantes eram “intrusos”, ou seja, estrangeiros, fora-da-lei, escravos e, especialmente mulheres. Acredita-se que eles entravam em transe e usavam música rítmica nos ritos. 6
(deus Dioniso/Baco/imagem colhida da wiki)


O desenvolvimento do Teatro Grego teve origem no culto prestado a Dioniso em Atenas. O festival principal, no qual as tetralogias em competição (três tragédias e uma sátira) eram executadas, era conhecido como Dionisía Urbana. Era um evento anual importante à democracia. O teatro de Dioniso estava situado na encosta Sul da acrópole de Atenas, com lugares para um público de 17.000. Havia também os concursos dramáticos da Dionisía Rural e o festival Lenaia, cujo nome é sinônimo de “Ménade”. As peças também eram executadas no festival Anthesteria, que honrava Dioniso enquanto deus do vinho. 7

Os atores das peças executadas usavam máscaras, símbolos da submersão da sua identidade na de um outro. Esta perda de individualidade é demonstrada no teatro não só pelas máscaras que os atores usam, mas também pelo coro. Os membros do coro dançam e cantam em uníssono, cantando as mesmas palavras, não têm nenhuma identidade, cada um é simplesmente uma parte insignificante do todo, sem vontade individuada. Toda a individualidade e força de vontade devem ser ofertadas a Dioniso, quando o deus assim o deseja. 8

Foi sugerido que cada herói trágico que sofre e morre no palco, quando do grande festival dramático de Atenas, é de fato o próprio Dioniso a ser morto. Também se propôs que o enredo do sacrifício fosse o enredo original da tragédia, e que o festival de Dionisía honrava Dioniso ao reproduzir a sua morte. 9
(deus Baco/imagem colhida da wiki)

As heranças da construção da personagem que nos foi legada ao longo das diversas culturas e reinvenção destas é o que nos faz ator das + íntimas e diversas manifestações da natureza humana, saída primitivamente da imitação, ou determinismo da interface divina.

De alguma forma os mortais intuídos, ou reprodutores de “efígies” comportamentais de deuses, semideuses, ou heróis forjados pela história oral, na esteira da tecnologia da linguagem, evoluíram à literatura interpretada e traduzem o homem e o deus intrinsecamente juntos.
Mircea Eliade, em “Mitos e Realidade”, ao tratar de manifestações da natureza humana a ritos, mitos, lendas e religião na construção sociocultural aponta que há idéias de que os deuses da mitologia grega seriam reis que, a partir de feitos extraordinários, teriam sido alçados a condição de divinos. As variações culturais para lendas e mitos tomam lugar e forma para que a expressão humana contextual se aproprie.

Dizem que quem inventou a cultura foi a antropologia. De sorte é que reproduzindo comportamentos, sentimentos mortais ou à mímesis do divino, o teatro ganhou o mundo da sempre reinventada ideia, saiu dos ritos iniciáticos e virou ciência sem perder-se da essência da construção da personagem que estaria entre “o que é” e o que “poderia vir a ser”.

As máscaras trágicas tradicionais repercutem de cultura a cultura, ganham a interface moderno/contemporânea e não nega-se o fenômeno, pelo contrário, confirma-o. Os novos deuses de novíssimas mídias continuam o exercício de autoproclamação, porque da natureza humana ou divindade com falhas mortais.

Reitera-se teatro e antropologia para homens, semideuses e deuses forjados.




Fonte: ( 1 a 9 - pt.wikipedia.org/wiki/Dioniso/bibliografia : Dalby, Andrew (2005), The Story of Bacchus, ISBN 0-7141-2255-6 )


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