domingo, 9 de outubro de 2011

Sou do tempo

Sou do tempo
por maneco nascimento
Com quase meio século de memória experimentada e recolhida ao regurgito das horas vagas, não se pode contestar que a vida pega fôlego a cada piscar de olhos, com uma natureza sem remorso de saltar sempre ao próximo ponto da estação da história da humanidade. E assim vão-se os dédalos e fica a ciência constatada.

(Leônidas da Silva[Diamante Negro]/imagem: http://www.clickideia.com.br/)

Sou do tempo em que craque tinha referência fonológica e semântica a grandes jogadores de futebol do país exportação. Diamante Negro(Leônidas da Silva), Pelé, Jairzinho, Garrincha, Tostão, Rivelino e uma galeria de nomes que, mesmo famosos, alguns morreram pobres ou ainda estão por ai remoendo as próprias glórias. Não os cito porque minha memória teima em trair-me.
(Pelé e Rivelino/imagem retirada de: cimplesocio-futebol.blogspot.com/2010/04/fute...)
 Mas, nossos heróis da bola d’outra época, se sofriam do mito da celebrização pareciam mais discretos. Não pousavam exibindo armas ao lado da própria geração, menos “favorecida”, crescida nas ruelas e becos das franjas de grandes centros urbanos. Também não viravam manchete em registros policiais para passeios pelas drogas, sexo e outras idiossincrasias da porção animal.
 Quem deu salto + alto que o Luiz XV festejado, sempre esteve sujeito às indústrias culturais, mesmo antes de Adorno as definir como mola propulsora das modernas e contemporâneas tendências mass media. As vidas milionárias e o pouco traquejo de gastar fortunas, naturalmente conquistadas com pernas banhadas a mito de midas, talvez não comportem tempo de maturidade para deslindar os heróis do morro garimpados e alçados à zona sul.
Sem sair do veio das celebridades, sou do tempo em que os “craks” das revistas e tevês só dependiam do cigarro comum, ou vá lá, seu bom uísque que o trabalho podia comprar. As primaveras nevadas nos trópicos eram licença poética e pedra era só um substantivo, muito bem aplicado, em poema modernista de Drummond, “tinha uma pedra no meio do caminho...” que causou frisson lingüístico entre os decanos da gramática normativa e vidinha parnasiana.
Pedra de toque tinha acepção de brilho e brilho de natureza luminar e meritória de conquistas pessoais de status cultural. Hoje há + “pedra” não só no meio do caminho, mas da sala, cozinha, banheiro, despensa, quarto, varanda e áreas de “serviços” que ocupam as novas vidas redondas da periferia e dos novos e velhos ricos da sociedade “moderna” d+.
Sou do tempo em que espinha na garganta podia mesmo ser de uma piaba cozida ou mal frita, de um piau ou mandi, peixes naturais dessa apelidada mesopotâmia nordestina que assina-se como Teresina. Hoje a espinha entravada na garganta brasileira é de natureza + agressiva e quase insolucionável, não há farinha que a remova. Até porque a farinha parece toda contaminada e a que não foi, ainda, desperta deslumbramento em fazer parte do saco podre.
Um Brasil feliz e pagador das contas e impostos regulares sofre de engasgo espinhoso da corrupção useira e viseira; dos desmandos e desvios de finalidades administrativo-financeiros, corroboradores das imunidades/impunidades de cultura política nacional; dos crimes no trânsito quase sempre culposos; das investigações policiais, por vezes, tendenciosas à reinvenção do que pareça óbvia prova de crimes premeditados.
Sou do tempo em que aluno de 10 anos de idade jamais atentaria contra um(a) professor(a)/educador(a), especialmente com arma de fogo, ou que adolescentes pudessem quebrar o nariz ou braço de mestres, soquear ou chutar diretores escolares por estes últimos tentarem apresentar disciplinas e regras de convivência social no ambiente escolar.
Sou do tempo em que expressão tipo, “viado bom é viado morto” não fazia parte do currículo natural da cultura social, hoje a da homofóbica engrossada no Brasil. Tempo em que nem parecia existir novidade de traços contemporâneos tão assustadores. Os crimes se acirraram, ou a transparência e denúncias ganharam mesmo + espaço dentro das exigências que se naturalizam aos direitos cidadãos em aplicação.
Sou de um tempo em que parece não haver + um tempo melhor. Pouca justiça, pouca eficiência da polícia, nenhuma reparação eficaz na política e em que as sociedades têm se tornado + embrutecidas e cada vez em gerações + jovens e infantes. Nunca Hobbes melhor interpretou o lobo do homem que nesse momento atual.
O meu, o teu, o vosso filho, aplicando regência lingüística, parecem estar sujeitos a dias + conturbados que nosso presente. Que tempo terão nossos herdeiros em tempo que, impreterivelmente, jamais se repetirá. A água do rio de Heráclito de Éfeso, não molharia mesmo duas vezes os mesmos pés. Sobrará ao menos água limpa ou pés exultosos?
De qual tempo será o futuro dos nossos melhores sonhos e planos, só a natureza humana decifrará.

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